Bônus: “AYA Huma e AYA Trapézio” – Vídeo arte Em Processo
“Diz-se que corpos carregam marcas.
Poderíamos, então, perguntar: onde elas se inscrevem? Na pele, nos pelos, nas formas, nos traços, nos gestos? O que elas “dizem” dos corpos? Que significam? São tangíveis, palpáveis, físicas? Exibem-se facilmente, à espera de serem reconhecidas? Ou se insinuam, sugerindo, qualificando, nomeando? Há corpos “não-marcados”? Elas, as marcas, existem de fato? Ou são uma invenção do olhar do outro?
Hoje, como antes, a determinação dos lugares sociais ou das posições dos sujeitos no interior de um grupo é referida a seus corpos…
Então, os corpos são o que são na cultura…
Características dos corpos significadas como marcas pela cultura distinguem sujeitos e se constituem em marcas de poder.”
LOURO, Guacira Lopes, Um corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoria queer – Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p.75, 76.
Já no início da Lab Cultural 2021, a primeira pesquisa (Transformismo: Transforma-Dor) foi trabalhar a partir dos meus traços (olhos puxados, nariz indígena) que são apontados pelas pessoas no Brasil.
A partir dessas “marcas” continuo minha pesquisa a partir de das seguintes premissas / estímulos / inspirações:
Animal com o qual várias vezes me identifiquei – dentro de meus primeiros anos de imigração no Brasil – ao Eu carregar “Minha Casa” (todas minhas coisas pessoais e da minha palhaça) nas costas, enquanto vivia de maneira itinerante.
A tartaruga como símbolo da sabedoria, força, paciência, longevidade, resistência, resiliência e evolução.
É um animal que ao contemplá-lo surpreende e fascina. Tanto elas como as iguanas, parecem para mim “pequenos dinossauros”. Além de que são símbolos de meu país de origem.
Eu também falo delas na introdução de “Truco! Tática engenhosa para conseguir algo”, espetáculo de palhaçaria de rua que criei aqui e com o qual circulei 10 estados do Brasil. No qual precisei começar a falar de onde eu venho, características do Equador, para assim criar uma relação mais próxima com o público e a partir daí poder iniciar o espetáculo. Prática que ao mesmo tempo me faz sentir mais em casa – à vontade, ao fazê-la.
2. Na minha busca de Aliadas/ Aliades/ Aliados para esta pesquisa, chamei a multi artista maravilhosa Rubia Romani. Ela desde seu olhar das artes performáticas, burlescas e Drag, foi uma guia para a pesquisa prática de encontrar uma corporalidade que incorpore tanto a imagem da tartaruga como o contexto da pesquisa sobre xenofobia e racismo contra pessoas indígenas.
Rubia trouxe o texto “Um corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoria queer” de LOURO, Guacira Lopes. Ao ler os capítulos “Viajantes pós-modernos” e “Marcas do corpo, marcas de poder”, me identifiquei imediatamente tanto por minha condição de imigrante, mas também como pessoa da comunidade LGBTIAP+.
O texto foi um estímulo para passar à uma sessão na qual Deixei Ao Meu Corpo Falar: o que precisava falar, o que este carregava das experiências vividas em estes anos de imigração no Brasil em relação às temáticas desta pesquisa. Vivência forte e ao mesmo tempo Libertadora.
Apareceram os tremores no corpo:
Resultados de uma síndrome pós-traumática de situações violentas vividas aqui.
Apareceram sons, gestos e a necessidade de Abraçar minha Bagagem:
Símbolo de minhas raízes, meus percorridos e das culturas que agora me constituem – são parte de mim como fruto de meus processos de migração: em meu próprio país, em outros e aqui.
Além disso, Rubia trouxe algumas referências para a construção visual de esta figura. Dentro delas, UÝRA SODOMA, Drag Queen Indígena de Manaus. Drag que sempre tem me inspirado por sua forma de plasmar – diálogos profundos, impactantes e importantes sobre ser indígena – tanto na sua visualidade como nas suas performances artísticas.
Desde tudo isto, nasce o processo que deu luz às seguintes e outras imagens, junto com a figura que virá a ser o início do vídeo-arte proposto em meu projeto “Memórias de um corpo estrangeiro imigrante”.
Por analogia, aparece a Rosa dos Ventos: imagem presente nas bússolas como objetos de orientação. Símbolo formado pelos principais pontos cardeais e seus intermediários – o qual é o desenho de meu picadeiro de circo – desde onde minha palhaça se apresenta ao Mundo.
A rosa dos ventos traz o imaginário de viagem, deslocamento e sobretudo me leva à Dimensão Simbólica de Conexão com as 7 direções da Roda da Cura: Este, Sul, Oeste, Norte, Abaixo, Acima e Dentro; segundo os nativos norte-americanos e mais povos nativos deste continente. Cada direção se relaciona com um elemento da natureza, com um tipo de energia e de aprendizado.
Por outro lado, na Palhaçaria a metodologia do “Palhaço através da máscara” parte destas cosmogonias nativas. Eu estudei ela com a mestra Sue Morrison no Canadá. Nesta forma, a pessoa precisa conectar com a “experiência” e “inocência” de cada direção de si mesmo, para depois colocar todas essas energias e aprendizados revelados a serviço – canalizados pela figura da Palhaça, Palhace ou Palhaço de cada pessoa; que seria esse ponto central, esse Dentro.
Na minha vivência com Sue, me conectar com minhas máscaras de cada direção foi me encontrar com todas as partes / formas de mim: tanto aquelas que são mais fáceis de aceitar como as mais difíceis de abraçar e brincar com elas na Palhaçaria. Sensação que de alguma maneira voltou neste novo processo criativo que é a Lab Cultural 2021.
De repente, esta pesquisa só foi tecendo uma rede junto às raízes profundas de buscas profissionais anteriores, sensações, desafios e Impulsos Criativos que trazem NOVAS IMAGENS COMO POTÊNCIA; para caminhar nas temáticas sensíveis da Xenofobia, o Racismo Contra Pessoas Indígenas e tudo o que isso mexe comigo.
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