Bônus: “AYA Huma e AYA Trapézio” – Vídeo arte Em Processo
Quando falo de minha pesquisa sobre Xenofobia e Racismo contra Pessoas Indígenas, geralmente recebo comentários sobre quanto ela é necessária.
Só que o custo emocional de trabalhar nela e das interações que surgem ao mergulhar nestas temáticas é Alto! Aliás, me tocam de uma maneira profunda. Me deixando num estado de sensibilidade que às vezes só pode ser transpassado – transbordado e transformado através da escrita.
A escrita como uma forma de falar o que não consigo durante situações agressivas ou violentas.
As quais surgem desde os gatilhos da xenofobia e o racismo por minhas raízes indígenas.
A escrita como meio de reflexão.
Uma busca por entender por que acontecem esse tipo de experiências.
A escrita como um meio de ser escutada.
Para quem nem sequer se imaginou o que é viver estes preconceitos e discriminações, possa se colocar e ou mais importante Agir! Desde um lugar de Empatia.
Então, compartilho com vocês um texto que é a compilação de três textos produzidos em momentos diferentes da pesquisa, antes e durante a Lab Cultural 2021.
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Algo que Eu Sou:
Estrangeira, Imigrante, Indígena…
Se converte em algo que eu Não Sou.
Vestida do Estigma do que o outro vê em mim,
de mim como um Perigo,
Algo Diferente.
Se Eu fosse concebida nesse momento como um ser humano…
seria igual a você.
Minha natureza seria igual.
Compartilhamos o direito de Mobilidade pelo Mundo,
sem um olhar criminoso,
ou de ser a pessoa coitada…
ou inferior por vir desta “América Latina”,
de onde o Brasil não se reconhece.
Mas… além desses nomes para estas terras,
Antes disso nós tínhamos e O Mais Importante Ainda Temos! Nossos Povos Ancestrais.
Uma terra habitada antes da Invasão, chamada de colonização.
A qual ainda não acabou.
Teu Olhar de Estigma Me Gera Prejuízo!
O discurso de “todos os índios se extinguiram…” Anula minha possibilidade de Existência.
Da existência de teus ancestrais!
Eu, Você provavelmente e Milhares de Pessoas de repente Puff! Desapareceriam!!!
Como desaparece ou Se Obriga à Sumir,
Se Apaga! A história dos povos originários.
Se Apaga! A história de milhares de pessoas que habitam cidades, aldeias e florestas.
Você me chamando de índia me machuca.
Porque tecnicamente está apagando a diversidade e identidades dos diferentes povos ancestrais.
De Onde Eu Venho… Eu cresci numa época de reivindicação de direitos e luta em contra da discriminação à pessoas indígenas,
E de repente chego aqui,
num contexto contrário a isso.
E porém de não ser meu intuito inicial,
mas levada pela necessidade neste país de seguir esta luta,
eu me converto / me Transformo em parte dela.
Os povos indígenas brasileiros não existem só desde 1988,
As terras dos quais são os detentores dos direitos não são só aquelas definidas quando a nova constituição chegou.
Aliás, as pessoas indígenas não só existem aqui,
mas no resto deste continente “Abya Yala”, do planeta, madre tierra.
Então você se deveria acostumar com nossa presença:
voz que não sou grita por nossos direitos,
em lugar disso grita pelos direitos de toda a natureza,
dos seres que habitam o planeta
para garantir a vida na terra.
Às vezes me sinto numa caverna.
Levada a força dentro dela, seja pelo vírus,
seja pela necessidade de refletir,
seja pela necessidade vital de proteção:
de todas as agressões e violência que me atingem.
Agora não sou de forma presencial,
mas também nos ambientes virtuais.
Então, é aí que meu espaço casa e o mato viram refúgio da fuga das flechas,
dos maus de quem me enxerga como inimiga,
de quem acha que minha Dor,
minha Denúncia é me vitimizar.
Como se o fato de que existimos pessoas que vivemos situações de perigo,
– sem ninguém se dispor a fazer algo ante isso – fosse nada! pouca coisa…
Então qualquer fala minha/nossa, termina sendo menos considerada.
Uma coisa é se vitimizar,
outra coisa é ser vítima.
Vítima do alvo das palavras que buscam ferir.
Vítima do alvo dessas palavras, frases que só buscam marcar que sou diferente:
neste país, nesta sociedade, com o objetivo de me segregar.
Frases daquelas que negam a agressão, que convertem ela em violências veladas.
“Mas se o mineiro é super gente boa”
“O brasileiro é acolhedor”
O é sim! mas não é só isso.
O falo pelo o que tenho vivido:
Defendendo imigrantes de deboches xenófobos,
com o mesmo deboche brasileiro que precisei aprender para quem me ouve entenda,
e pare a violência de suas palavras.
Cuidando de estrangeires que nos momentos difíceis foram deixados de lado pelas pessoas brasileiras que estavam a cargo de sua segurança neste país.
E os casos só vão e vão…
Aumentam! Quando Eu enxerguei não só a minha dor,
mas também as histórias em comum que se repetem – com outres imigrantes.
Se repetem tristemente com outres estrangeires.
Não posso mais ficar calada.
Eu estou aqui!
Tu estrangeire
Tu imigrante
Tu refugiade
¡Estás Aquí!
Existimos
Resistimos
Vivemos!!!
Como os povos originários desde a invasão.
Esquivando flechas, maus, olhares, discursos… que apagam nossos direitos.
Exigindo não estar num estado de guerra
Buscando Paz.
Sou uma minoria,
mas uma importante
que importa… tanto a alguém no mundo: minha família,
como a Mim Mesma.
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Enquanto as pessoas
Continuem pensando só em si mesmas
e não mais nas Pessoas, estaremos perdidos.
Enquanto apontemos,
classifiquemos,
dividamos,
e não compartilhamos:
nossas dores,
nossas forças,
nosso espaço,
não compreenderemos o que é a Empatia.
Todos somos Terra.
De la tierra venimos.
En tierra nos convertiremos…
Senão Morreremos:
Sem nos transformar,
Sem Ser O Que Somos,
Sem Ser e Acreditar No Que Acreditamos,
Sem Amar Quem Amamos
Moriremos!
Nos dizem que somos nossos corpos.
E o que acontece quando não nos deixam ocupá-los?
Quando nosso corpo é a nossa casa,
mas não nos deixam que o habitemos em paz.
Quando a terra que é a nossa casa,
A casa que escolhemos não nos deixam habitá-la em paz,
sem nos apontar,
silenciar
e excluir
seja docemente ou a porradas…
Moriremos!
E MEU DESEJO É VIVER!!!
Enquanto a Fala de quem agride seja para se justificar,
para se colocar como uma pessoa “do bem”,
para dizer que nos escutam Sem Nos Deixar Falar,
Sem Nem Buscar Compreender Quem Foi Ferido:
Não Serve usar as palavras,
Não serve!
A Palavra Precisa Ser – Vir Desde a Empatia
MINHA / NOSSA FALA – COMO IMIGRANTE/ IMIGRANTES –
PRECISA SER DESDE NOSSO LUGAR DE PODER.
O Poder de Falar.
A Fala: Desde Nosso Lugar de Poder!
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Uma terra pode destruir outra,
Mas… Eu Também Acredito
Em Quem Aqui! Está à Disposição para Ser uma Semente que Transforme O Mundo.
Seu Mundo
Este Mundo
Esta Terra!
Força e Coragem
Força
CORAGEM
CORAGEM
CORAGEM
Foto 1: Clara/Trapézio pronta para embarcar na minha primeira migração no Brasil em 2016.
Foto 2: Meu mapa afetivo sobre imigrar em Brasil e em Belo Horizonte. Projeto “Arte e Sororidade Sem Fronteiras”, do Coletivo de Imigrantes “Cio da Terra” de BH, 2021.
Artista: Clara López Iglesias
Instagram: @teatrodelcamino