Amora Tito /

Grão de Areia e Pensamento

no último sábado, dia 01 de outubro, participei do Janela de Dramaturgia (Festival de dramaturgia de BH) com o texto Rebordose. a dramaturgia que teve leitura de Eli Nunes, Letícia Ângelo, Mary Tito (minha mãe) e Sol Markes foi criada durante esses meses do LAB22 e foi muito atravessada pelos temas e debates.

trago um trecho para compartilhar com você que lê este post hoje:

 

GRÃO DE AREIA E PENSAMENTO

um vulcão adormecido por séculos em seu sono profundo escuta o som das asas de uma borboleta. o tambor ressoando em coro. vê o seu reflexo no espelho do mar e desperta em erupção. lavas como bile correm por minha garganta e são regurgitadas como uma espécie de verborragia desesperada queimando a vegetação. deixando um rastro por onde escorre. é assim que os vulcões falam. jogando pra fora o engasgo. o que está entalado por muitas e muitas décadas de sono induzido. eu estava lá quando a lava se solidificou nas profundezas da terra. sem pressa! juntando minerais e se tornando rocha milenar. estive ao lado dela quando fomos lançades pelo manto com a movência das placas tectônicas. a rocha se degradou em pequenos detritos. eu me grudei em uma das suas lascas durante todo aquele tremor. 0,80 milímetros. fomos lançades ao mar e nos apaixonamos.

os grãos de areia vistos assim parecem todes iguais. mas se a gente cria uma proximidade… se observarmos com carinho… na ponta dos dedos com olhos atentos. é possível se apaixonar. cada corpa é um universo. nos apaixonamos por nossas diferenças. a não binariedade nos unia. eu e o grão de areia fomos constantemente modelados pela energia das ondas do mar. fomos arremessades em rochas. grudamos em peixes. escalamos baleias. brincamos em anêmonas. fizemos de um coral nossa morada. viajamos por aí! navegamos profundezas.

eu e um grão de areia no meio do oceano

acidentalmente engolides por uma ostra. entramos por acidente em sua concha calcificada de formato irregular. o molusco, para se defender, produziu um tipo de resina. uma substância lustrosa nos cobriu com várias camadas circulares. circulares não, espiralares. por mais que a gente passe pelo mesmo ponto a coisas já é outra. o universo já tá diferentes. é assim no fundo de um oceano. por anos e anos fizemos morada aqui dentro. assim surgiu a primeira pérola negra.