Ana Elisa Gonçalves /

Nó Dado e suas (minhas) origens

A saia em um jogo de capoeira é um ato revolucionário dentro de outro. Na pesquisa intitulada Nó Dado, tensiono alguns pontos adormecidos na tradição da capoeira, intermediada pela representação da saia de tecido de chitão amarelo estampado de flores vermelhas e verdes. Junto ao autorretrato, traço um paralelo entre mim e as primeiras mulheres presentes na capoeira. O aparecimento da chita foi orgânico pois, esse tecido é ligado as manifestações da Cultura Popular Brasileira e, o corpo negro feminino, por si só, já está ligado à muitas dessas tradições populares. A chita com a materialidade que conhecemos hoje, sofreu influências da colonização europeia portuguesa, assim como a historicidade que atravessa os corpos de mulheres negras do Brasil.

Título: “Jogo 4” 12 x 20 cm pintura acrílica sobre tela, de julho de 2022.

O chitão amarelo, eleito como um dos protagonistas da série de pinturas, é também uma saudação ao ouro do manto de Nossa Senhora Aparecida, santa de devoção de minha mãe, e a orixá Dandalunda, cultuada nos rios e nascentes. A santa e a orixá se conectam a minha família materna, originária de uma comunidade ribeirinha da cidade de Salto da Divisa-MG,  região do Vale do Jequitinhonha. Lá, a rotina acontecia a redor do Rio Jequitinhonha, do barro para construir casa de pau a pique, fogão a lenha e potes de cerâmica.

As mulheres rendeiras se agrupavam, faziam a batida do algodão e se davam lições de crochê, aprendendo a fazer roupas de cama e vestes. Minhas tias e minha mãe cresceram em meio a essas práticas, passando as tardes depois da escola aprendendo esses feitios. Fiando linha por linha, fazendo tingimento natural e bordando flores.

Retrato de Idalina Pinheiro, minha avó materna.

Os corpos das figuras que represento, são de uma materialidade fluida como o barro. Barro era o material da casa onde minhas mais velhas cresceram. Reconheço a continuidade das habilidades manuais que me antecedem. Observo minha mãe: ao ornamentar a casa e o altar de sua santa com chitas floridas, ela se forra das lembranças de sua terra natal e de suas tradições.
Ao representar a saia amarela, teço  memórias entre a chita e corpo negro feminino.

Guardo, assim como minha mãe, as memórias com afinco.

As filhas de Idalina, da esquerda para direita: Creusa, Joana e minha mãe, Maria Idalina.

Título “Guardada” 50 x 40 cm pintura acrílica sobre tela, de julho de 2022.