Oriki de mim
Uma história que começa antes de mim,
e ao mesmo tempo minha história começa daqui
ou a muito tempo atrás,
um tempo que ainda não me conectei,
falo do tempo que sei.
O tempo que Aparecida ainda moça,
e desde cedo herdara o trabalho nas fazendas dos senhores,
de catar os grãos de café,
de cortar cana,
sob a luz do sol que ilumina,
ilumina mas também castiga,
como com Dona Margarida
que aos 90 anos não via mais a cor da vida,
e quem cuidou foi moça Aparecida,
com o mesmo trabalho que o sol ilumina,
mas também castiga,
e não esquenta a “boia-fria”.
Dos trabalhos em fazendas,
com Argemiro se ajuntou,
e nas encostas, a margem da capital,
quatro filhos criou,
quando na barriga:
moradia era de lona,
água e banho era de bica
e até os 8 meses fez faxina.
Uma negra e uma criança no ventre,
pai alcoólatra não presente,
uma negra e uma criança nos braços,
solitária? Não
se organiza em mutirão,
pra criar a mim e meus irmãos.
Vim ao mundo,
ao meu mundo,
onde banho ainda era de bica,
moradia já não era mais de lona,
fiz xixi na cama,
e me escondi embaixo dela.
Brinquei na terra,
apanhei, bati e me machuquei,
andei descalço, ganhei calçados,
tapete e cortina eram de retalhos,
Dona Aparecida quem costurava,
convivi com a violência,
em casa e fora dela,
revidei a violência,
já tive uma arma em punho,
vi amigos morreram cedo,
mas fiquei vivo,
no fica vivo um vivaz,
me encontrei com a Arte do movimento,
e me movi para diferentes direções,
no valores de minas valorizei minha identidade,
fiquei vivo, e vivo todos os dias essa tal dança,
ensino, aprendo, estudo, pesquiso, danço,
danço por que estou vivo, é essa a motivação de agora.