Juliana Porfírio /

Prólogo

   

“O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior”  (Oswald de Andrade em o Manifesto Antropofágico, 1928).

 

Durante 17 anos, pelo menos, vivi na era pré-internet. A ideia de conexão, na época, se limitava às longas conversas no telefone, aos encontros ao vivo, às trocas de cartas. Era tudo menos individualizado, porque também não existia celular. A gente usava telefone fixo, o que implicava que cada vez que ligava para alguém, era provável ter que conversar com outras pessoas que moravam na casa antes de falar com quem realmente interessava. 

Ouvir música naquela época era outra questão incômoda. Os aparelhos de som costumavam ser enormes e fixos, normalmente ficavam na sala. Numa casa onde as pessoas tinham preferências musicais muito diferentes, era preciso trabalhar a paciência e a escuta. Tão logo surgiu a oportunidade, pedi um micro-system no Natal. Este aparelho de som portátil permitiu que eu ouvisse o que quisesse no sossego do meu quarto. Era o começo de uma nova era.

A grande revolução viria depois com o Walkman. Diferente de um micro-system, o toca-fitas portátil podia ser levado junto ao corpo e a música era ouvida por fones de ouvido – o que permitia uma experiência totalmente individual, não compartilhada. Era, pra mim, o início da ideia de  uma conexão diferente com a música, com o corpo e, consequentemente, com os objetos de moda. Este gadget evoluiu rapidamente de tocador de fitas para CD, depois chegou a Internet, vieram os MP3 players, os celulares e apps de música. Os aparelhos diminuíram de tamanho, aumentaram em funções – mas nunca mais se desprenderam do corpo. 

 //O termo Tecnologias Vestíveis é uma tradução de  wearables e se refere aos dispositivos tecnológicos que podem ser usados junto ao corpo para conectar, potencializar, monitorar ou corrigir suas funções//

Gosto de amplificar esta noção.

As conexões que proponho entre tecnologia e moda consideram todo conjunto de técnicas e processos  aplicados à vestibilidade e ao corpo. Interessa à minha pesquisa investigar de que maneiras os dispositivos editam o corpo – físico, psicológico e social – e como essas influências se revelam através da nossa segunda pele, a moda. Dentro do meu exercício de artista, observo as confluências  entre moda + corpo + sociedade, leio filósofos e sociólogos e coleto elementos corriqueiros no dia a dia, no intuito de traduzir minhas impressões em objetos vestíveis. Recorrendo às gambiarras têxteis, eletrônica ou mecânica como proposta estética.