a coisa sobre se oferecer – oriki
“oferecer-se ao que tem fome”foi das frases mais radicais e selvagens que ouvi. passei a reparar
romã se parte quando madura pra se oferecer bonita, com cores e em cheiro. no seu auge, ela se expõe. se abre pra que desfrutem. ela fruta. des. fruta e deixa de sela fruta pra ser oferenda.
oferecida.
daí também tem a madeira seca
que já não dá pra nada
mas ainda dá pra da
que se dá pro fogo
dada
a chama
se chama
e só há chamado
pro que serve
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laura laura laura laura laura
lua ar aura rua
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https://www.behance.net/gallery/110672651/Corpo-em-%28des%29estrutura-de-linguagem
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era segunda de carnaval.
exatos 23 anos atrás, era segunda. e era carnaval.
soube que a bolsa estourou por entre o desfile das escolas de samba.
minha mãe gosta de lembrar que eu insistia em querer ser o peter pan, não gostava que dissessem que eu estava crescendo. hoje já não me desejo tão irresponsável como o personagem. sou contraditória, mas não inconsequente. e feliz. feliz que no carnaval a gente brinca. de corpo e desejo nu. esquecemos de adult’erar a infância.
esse delírio: adulterar o sol. a criança é o sol da comunidade. quero ser ensolarada. encarar a vida como mistério. viver encantada! e ainda lunática as fases afinal, nesse dia a pele sempre arrepiou pelo ventinho e escorreu pelo suor.
gosto dos dias ensolarados – quase amarelos –
nesse dia sempre chove – céu esbranquiçado –
pra me lembrar que ainda assim (ou, por isso) é verão
aqui,
todo carnaval tem sua permanência
feito o sol. no céu. de qualquer cor.
aprendi e acreditei que não nascemos com propósito, mas com potencial. o carnaval é a resposta de vida a um sistema de morte.
é o que posso ser. que tenho potencial pra ser: carnaval.
vida num sistema de morte.
uma síncope.
– musical
eu sou isso
_ errata: tenho mais carnavais que anos de vida, logo foto do meu 2° carnaval, primeiro ano de vida, dia e lugar que aprendi a andar.
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ontem fui a ginecologista. fazia tempo. a analista queria saber dos meus hormônios. a médica já descartou que sejam eles me afetando. nas buscas de porque talvez encontraremos deságues. por sorte. só conto isso pra contar que na hora das formalidades iniciais me perguntaram “profissão” e eu que até agora pouco sempre respondo “estudante”, dessa vez respondi “professora”. pode parecer o dilema óbvio de que não dá pra por as duas coisas do mesmo lugar. aprendiz e ensinadora. é aí que tô. há bastante tempo, moro nesses dois lugares. mas a coisa nem foi essa. a coisa é que dentro de mim pulava fresca ela que grita e sussurra “artista”. a moça pergunta profissão. ela-essa-eu. se sabe: artista. ainda não diz. mas sente. de toda forma, eu sou de tudo.
gosto de uma apresentação de sapateado que fiz com uns 10 anos, fui bom bril. das boa dezenas de espetáculos e figurinos, talvez tenha sido mais representada neste dia. a piadinha tosca das mil e uma utilidades. sábado passado estava na festa da cultura brasileira, de uma das escolas que trabalho, eu e as crianças estudamos em nossas aulas de dança o carimbo, a catira e o maracatu, aprendemos também a decidir coisas votando, e assim eleito carimbó, nos preparamos ensaiamos criamos e nos apresentamos, o que quero contar é que no dia da festa, uma mãe me apontou e disse “a laura conti que colocou poesia nos muros” e o pai “não, essa laura conti é a professora de dança” só pude sorrir. eu sou a porta, que faz zine, escreve livro, publica coletivamente, imprime poesias em folhas de quase 2m e cola esses lambes pela cidade. também sou a laura que muitos, inclusive minha mãe insistem em dizer “queria tanto ver você dando aula, não dá pra imaginar”. a mesma laura que sobe nos carros de som em dia de protesto pra berrar poesia e dor. que começa a gritar poesia no meio das plateias de congressos científicos pra deixar óbvio as violências desse lugar. a exata mesma laura é a que da aula pra todas as idades mas prefere o berçário, – é engraçado que no meu estágio no hospital (esqueci de dizer que estou no último semestre de psicologia) fui pra todo canto menos pra maternidade, não ligo. enfim, eu gosto muito de dançar com os bebes. de acompanhar o encantamento pelo mundo, pelo próprio corpo. os menores tem lá seus 1 ano. a gente dança muito. aprende partes do corpo. aprende a ficar de pé. aprende a pular com coragem pra tirar os dois pés do chão.
tem um vídeo da Sobonfu Somé que ela diz sobre essa pira ocidental de “meu problema”. fiquei pensando que oriki dos orixás não são feitos por eles mesmos ainda que pelo o que ecoa deles e existe deles em nós-alguém. ainda que seja óbvio pra muitos que a gente se conhece pelo outro. – eu também estudo Fanon e sei que me desreconheço pq a outridade pra um corpo racializado mora num não lugar, enfim- teve uma vez que em análise reconheci o quanto sou rancorosa, comentei com minha família e amigas próximas, todo mundo riu com meu assombro e surpresa com a novidade óbvia, conto isso pra reconhecer que olhos muito sinceros me veem, e se este oriki é pra dizer de mim, recito o que um amigo me escreveu muito recentemente:
junto de tudo isso, esqueci de pegar o gancho da minha mãe lá em cima no texto, pra dizer que desde muito pequena e até hoje muito grande (de altura, não de idade) ela tenta me ensinar que não dá pra abraçar o mundo. tenta me convencer. acontece que reparem bem: da. ainda nem contei que sou organizada com o raiz de baobá, um coletivo negro que me insere no movimento negro e me ensina tudo, nem contei que estudo dança moderna, que gosto de estar com as unhas pintadas, que prático yoga fazem anos, que fiz exposições, performances, sei lá é coisa demais. me irritam as pessoas que me chama de laurinha. muitas. mas esse ano dei lugar pra essa laura pequenininha, fresca de tempo e de memória de mundo. tão pequena e tão abraçadora de mundo. acho que nunca mais vou me convencer porque já conheço exu. escrevo pra exu faz muito tempo, em muito verso e em muita dança. a baiana e a pomba gira que me acompanham gostam de dançar, quem não saberia, rs. de todo modo, já sei que exu é a boca que tudo come. devora. eu tenho fome de tudo. eu quero saber de tudo. ler de tudo. dançar de tudo. escrever de tudo. eu tenho muita dificuldade com as formas de materializar arte. de escolher uma. hierarquizar. porque eu gosto é deformar. eu tenho muita dificuldade também com o “eu” geralmente reviso tudo que escrevo pra ir apagando essa palavra pequena pq me assusta tanto. eu, quis dizer pra moça que sequer via minha cara por baixo da máscara que eu sou artista. porque talvez esse seja o único nome que essa língua fajuta e encantadora que usamos, de pra tanta coisa que sou.
e sei lá, tudo isso só me cheira começo.