Bárbara Elizei /

“Toda paisagem não está em parte nenhuma”

“Toda paisagem não está em parte nenhuma.” (PESSOA, p. 272, 19??)

“Névoa ou fumo? Subia da terra ou descia do céu? Não se sabia: era mais como uma doença do que uma descida ou uma emanação. Por vezes parecia mais uma doença dos olhos do que uma realidade da natureza. Fosse o que fosse ia por toda a paisagem uma inquietação turva, feita de esquecimento e de atenuação. Era como se o silêncio do mau sol tomasse para seu um corpo imperfeito. Dir-se-ia que ia acontecer qualquer coisa e que por toda a parte havia uma intuição pela qual o visível se velava.” (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego)

Fernando Pessoa descreve uma paisagem turva, algo que assemelhava-se à uma doença dos olhos. A partir da observação da adubação dos cafezais com o uso da cal desenvolvo a série de trabalhos “Toda paisagem não está em parte nenhuma (F.P.)” a qual é composta inicialmente (série em construção) por 10 pinturas em 20x40cm. A cal foi utilizada no Império Romano, China e Inglaterra como instrumento de guerra para asfixiar e cegar os oponentes. Durante a adubação no campo ela era dispersada pelos trabalhadores sem qualquer proteção facial, ocular ou manual. A violência silenciosa da cal exprime um campo cruel e impiedoso com seus cuidadores. Em contrapartida, para a terra ela é essencial para equilibrar o pH e fortalecer as raízes; nesse contexto ela é aplicada em períodos anteriores às chuvas para que penetre no solo com as águas. O conhecimento sobre as condições atmosféricas e as estações de seca e cheia devem estar afiados, aqui estabelece-se uma relação ser humano-natureza onde quem ocupa o centro é a alta produção. Sem homens, sem natureza, apenas paisagens calcárias.

 

Conteúdo em PDF: Toda paisagem não está em parte nenhuma (FP) – Bárbara Elizei