12 de outubro de 2023

O feitio do círculo

alves

LAB23

leonardo

Contam os Guaraní:
“Primeiro houve o grande cataclima que destruiu o mundo.
Kuaray, o sol, enviou então um pássaro para ver o que tinha sobrado.
Achou só um vegetal, o Káa-ete, que ele plantou ne terra arrasada.
Da semente desse vegetal nasceu uma árvores,
das sementes dessa árvore nasceu o Igary
e das sementes do Igary nasceram todas as outras árvores”


Dizem que não há tambor sem o mundo vegetal – a madeira canta ou fala ressoando a pele .Entalho na madeira do Igary, num tambor de barrica, a lembrança das fendas na casca- enquanto desenho um movimento de cordas que se fará adiante, em diagonais, para cima e para baixo, tensionando a pele na boca. Seccionar a madeira em ripas de mesma forma e tamanho em diagonais, confeccionar anéis metálicos que, martelados, colam-as entre si dando a forma circular e cônica, mais larga no topo que na base, tronco longo, feito o Igary. Aqueles antigos atabaques, confiscados pela polícia e doados ao museu, guardavam esta mesma forma. Cintas metálicas cuidavam de segurar suas estruturas de madeira centenária; cônicos sopapos, assim timbaus ou mesmo dornas que guardavam líquidos, transformadas em instrumentos musicais.  
Eu gostei desde sempre de ver e ouvir tambores em silêncio, quando quietos, lembrando as árvores que foram- caixas reinadeiras no chão do terreiro, tambús deitados à beira do fogo, atabaques ornados em àtàkàn. Uma criança um dia vê num tambor a miniatura da casa redonda, e o círculo è importante para não empoeirar os cantos, para não se prender nas quinas, pondo-se em movimento constante, como o planeta. Na ciência do círculo, como quando se vai tecer com corda a trama que estica a pele do tambor, o final da corda encontra e enlaça o início. Nesta semana ficou conversado que o feitiço está no som – sem como discordar, acrescentaria que está também no feitio do círculo, como è preciso antes a boca se arredondar para então emitir o som-círculo do “O”.