8 de setembro de 2023
LAB23
Nos últimos tempos, tô no maior siricutico pra produzir e colocar as ideias pra fora. Decidida a me movimentar, procurei dar alguns rolêzinhos artísticos no Centrão, na Savassi, livrarias, galerias etc. Num desses dias, tive a oportunidade de participar de uma atividade com Ricardo Aleixo, grande artista e poeta mineiro, que fez meu olhos de performer brilharem. Por motivos que desconheço, o evento aconteceu na livraria Jenipapo, na Savassi, depois de assistirmos uma das performances do artista numa das aulas. Parece que ele não se apresenta muito aqui em BH e está indo para um período de docência na UFBA, um sonho né?! Já fiquei com vontade de pegar minhas coisas e me picar pra Bahia também.
Comentei na aula e também conversando com uma ou duas pessoas um pouco antes do evento, que eu odiava poesia, mesmo gostando de trabalhar com a música e tudo mais. Acho que naquele dia a minha chavinha virou pra compreender a poesia como literatura, documentação e caminhando pro lado ancestral e nooossa vocês não medem o que foi essa transformação. Olhei meus trabalhos com outros olhos porque afinal, eu sempre estava ali escrevendo uma ou outra linha solta, brincando e colocando sentimentos no sentido mais amplo possível, nas palavras e nos roteiros de vídeo performance.
Ouvi atentamente tudo que Ricardo falava, prestava atenção em todas às suas palavras. Quando escutei ele falando sobre “Performance Intermídia”, aquilo me trouxe uma sensação boa, pois mesmo sem saber, eu já me conectava com aquele conceito em minhas vivências, senti um enorme conforto, mesmo depois de várias perturbações da branquitude ali naquele espaço, nas perguntas enfadonhas que estereotipavam a arte negra, sem falar num abalo inicial que as pessoas ali tiveram, quando um morador de rua interviu naquele espaço da intelectualidade só para ter um minuto de atenção.
Faz muito tempo que tive uma oportunidade semelhante, de estar próxima de um trabalho que me identifiquei tanto. Muitas vezes nós, artistas negras, sentimos uma grande falta com relação às referências para legitimar as nossas produções, e é mais ou menos isso que eu sentia, e acredito que é por uma grande deslegitimação das produções negras e afro referenciadas nesses espaços formais do mundo das artes, que eu, princezinhadapaz, estou acessando só agora, como artista.
Ainda estou digerindo esse trabalho que transita entre as linguagens a partir das palavras, o som e a música, e traz para o corpo, simbologias que também são nosso lugar de registro. Sei que gostei muito de poder vivenciar esses dias de produção e devaneios artísticos num primeiro momento nas vídeo performances, como a forma de linguagem em que me sinto mais livre pra me entregar para a criação, sem me travar por ideias ou expectativas. E tem tudo a ver com o que está dentro dessa área, considera-se como situação performática ou algo semelhante.
Em minhas apresentações faço um exercício de conectar meus diferentes trabalhos, o que contempla uma interseccionalidade de áreas: a educação, musica, performance e linguagem. Nesse processo, cada chuva de ideias é como se eu me vestisse, assim como Ricardo aleixo, em minhas próprias palavras e vivesse elas enquanto realizo as performances.
Uma boa parte da nossa discussão no lab até o momento foi sobre memória, a nossa e a do espaço, pensando a cidade como algo que nos transforma e é transformado constantemente como lugar onde VIVEMOS e e cultivamos MEMÓRIAS.
Nesse mergulho nas memórias, minha trajetória me leva a perceber o som em primeiro plano. Prestar atenção naquele “barulho”, que a partir do momento que nos dedicamos à escuta revela diálogos, música e emoções em diferentes timbres e volumes. Nessa investigação pessoas entram como fornecedoras de um tesouro que são suas vozes, os signos verbais, que, de forma espontânea dentro do cotidiano das cidade, vão pintando uma paisagem sonora que está em movimento e se expande ao encontrar as estruturas dos corpos e da rua.
O bar na Rua Juramento, 202, no bairro Pompéia aqui em Belo Horizonte, é um dos lugares de encontro da juventude “super” boêmia e agitada de BH, meu primeiro convite é para que você escute o som captado numa das noites de funcionamento ali e tentem decifrar alguma coisa do que se escuta:
Sair de casa com um gravador de áudio tem sido uma ótima atividade para o ponto de partida nas minhas investigações. Nesse dia fui com o gravador, uma garrafa de vinho e minha amiga Darlene. É difícil não pensar que se fosse uma aglomeração de 20 ou 30 pessoas negras fechando uma rua, como é o caso dessa paisagem, ouviríamos também sirenes de polícia e orientações para a baixar o som para não incomodar a vizinhança ou algo do tipo. Acredito que uns 40 minutos foi o tempo que ficamos ali, naquela aglomeração que ocupava a rua e o bar ao som de Racionais e provavelmente fomos parar em algum bar do centrão ou no bar no Frans na R. Goitacazes que já é mais o nosso rolê.
Tento não ser pessimista, lembro das broncas que minha mãe me dava quando eu ficava emburrada ou reclamando das peculiaridades da branquitude que se permite aventurar pela cidade. Escrever esse tipo de montagem que é uma denúncia social é algo bem pulsante, afinal muitas das dores que nos motivam a nos movimentar no mundo da arte ainda estão latentes. Sobe aquela raiva, impotência, vontade de escrever os sentimentos até na paredes?! Mas no fim das contas é até legal ser referência de quebrada para os playboys, e chegar nesse espaços elitizados com a voz das periferias ecoando, apesar das contradições.
Mas agora, é hora de ir para um lugar mais propositivo, ou dentro da esfera do resgate como discutimos até então, afinal, o Racionais já descreveu muitas dessas situações em “Estilo cachorro”, “Nego drama” e tantas outras que narram a ironia dos brancos que querem parecer pretos “Inacreditável, mas seu filho me imita. No meio de vocês ele é o mais esperto ginga e fala gíria; gíria não, dialeto. Seu filho quer ser preto, ah, que ironia Cola o pôster do 2Pac aí, que tal? Que cê diz? Sente o negro drama, vai tenta ser feliz”.
(Coloquei a versão da Maia Caos aqui também como possibilidade de referência de racionais interpretada por uma travesti negra conheçam mais sobre o trabalho dessa artista no soundclud, a gata arrasa muito!).
Nas cartografias da vitória quero falar sobre cenários possíveis para situações tão estigmatizadas. O trabalho do fotógrafo Rafael freire, artista aqui de Belo Horizonte, me chamou muita atenção, as cores, as luzes, tudo me leva a esse imaginativo que sai da realidade e nos apresenta uma história outra, e com certeza é uma das referências na minha produção hoje.
(https://www.instagram.com/p/CnIH3bhucf1/). Rafael Freire – Reprodução Instagram
Sigo com a exibição de um outro trabalho, “Queda”, que também é numa linguagem do retrato das minhas dores, acabei revendo tantas vezes que hoje eu consigo compreender até mesmo esse meu trabalho de uma outra forma. Hoje eu penso que “Queda” também traça rotas para o retrato da visibilidade de histórias de vitória, que foi me desprender de amarras que levavam o meu trabalho ao sucateamento, foi tudo embora junto com esse corpo de lata que criei, destruí e agora tem suas pecinhas espalhadas pela cidade.
Queda – princezinhadapaz estará em exibição na sessão Chavão de abertura da 3ª Semana de Cinema Negros de Belo Horizonte. Dia 13 de Setembro de 2023 às 19h no Cine Humberto Mauro – Palácio das artes. Belo Horizonte/MG
Ficha técnica: Direção e Elenco Princezinha da paz; Produção Darlene Valentim; Maquiagem Amanda Xavier; Som Pelas DJ trilha sonora original.