Lixo em Pauta – Relatório das Lives #2

Live #2 – Favela Lixo Zero

 

 

Dando sequência à nossa série de lives com projetos que estão um passo à nossa frente, conversamos com Michele Montenegro, representante do projeto referência Favela Lixo Zero. O projeto, que está em execução a apenas alguns meses na Favela Parque da Cidade, no Rio de Janeiro, já conseguiu implementar pontos de coleta seletiva e operar uma mudança significativa no cenário do descarte de resíduos nesse território.

Ao se apresentar, Michele trouxe uma perspectiva muito interessante sobre as sociedades, a de que ainda estamos aprendendo a conviver – em apenas 121 anos, a população mundial saltou de 1,5 bilhões de pessoas para 7,5 bilhões. O processo desenfreado de superpopulação mundial, aliado às mudanças de padrões de consumo e descarte nos trouxeram à situação alarmante em que nos encontramos hoje, seja na questão climática, de saúde, de direitos, e várias outras problemáticas.

Michele também falou sobre a relação que estabelece frente às desigualdades, em que não se preocupa exatamente com os bilionários, mas sim com aqueles que vivem na miséria. Ao invés de buscar por igualdade, coloca de maneira muito pertinente que prefere lutar por equidade de oportunidades. Da mesma forma, nos mostrou que a caridade, apesar de importante e com boas intenções, é sempre vertical e de cima para baixo. Ao contrário, a solideriedade é mais desejável e ideal, onde as partes estão equiparadas em uma relação horizontal em que não há superioridade ou inferioridade – olho no olho é a chave.

Ela começou contando sua história, sobre como chegou no contexto das favelas em que se insere atualmente. Em 2019, ao perceber o grande número de pessoas em situação de rua na zona sul do Rio, Michele se solidarizou com essas pessoas ao abordá-las para conhecer suas histórias e demandas. Ela chama atenção para a importância desse tipo de atitude – ao contrário de presumir a necessidade do outro, ter escuta atenta para conseguir solucionar suas demandas. Dessa iniciativa surgiu o projeto De Volta Ao Lar, que conseguiu, dentre outros feitos, proporcionar o retorno assistido de mais de 400 pessoas em situação de rua na capital carioca de volta para seus locais de origem em definitivo.

A pandemia fez com que o projeto precisasse se adaptar, uma vez que não era mais possível realizar viagens e a fome era uma urgência daquela população, apesar de que normalmente não é o principal problema das pessoas em situação de rua. Com o comércio fechado e as pessoas em casa, os moradores de rua se viam ainda mais desamparados, e por isso o projeto começou a distribuir quentinhas. Devido ao aparecimento na mídia, começaram a ser também procurados por favelas e comunidades em busca de auxílio semelhante. Dessa maneira Michele passou a trabalhar com o contexto das favelas, fazendo uma ponte entre empresas que queriam doar cestas básicas e comunidades que precisavam.

Ao começar o trabalho junto às favelas, Michele se deparou com o contexto complexo das crianças e jovens em momento de pandemia, sem acesso a computadores e internet e consequentemente com o aprendizado prejudicado. A partir daí mobilizou esforços para montar laboratórios de informática em algumas comunidades. Dentre os laboratórios montados, aquele localizado na Favela do Parque da Cidade foi um caso particular de sucesso, e o relacionamento com essa comunidade se estreitou.

A história dessa comunidade vem de uma fazenda de café que existia no local onde, no momento da abolição da escravidão, as senzalas foram queimadas. Algumas famílias de escravizados ocuparam o morro próximo à fazenda e continuaram a trabalhar ali, mas remunerados. Começou com 5 barracos e hoje há 826 residências, onde a maioria dos moradores são descendentes dos escravizados que ali trabalhavam.

Ali desenvolveu algumas iniciativas, como o treinamento de moradores para ser guias turísticos, o restabelecimento do museu do Parque da cidade, entre outros. O projeto Favela Lixo Zero surgiu da percepção do cenário degradado de poluição ocasionado pelo descarte irregular dos resíduos. O local era muito sujo, o que não contribuía para a visitação do parque e, consequentemente, da comunidade, entre outros problemas.

 

 

Aliada ao Instituto Lixo Zero, conheceu alguns condomínios em Florianópolis que tinham políticas Lixo Zero bem à frente do nosso tempo, e quis trazer isso para a favela. Ao invés de impor um sistema, trouxe a sugestão para uma reunião de moradores e organizou um tipo de plebiscito para se assegurar que a população estaria disposta a tentar.

Apresentou as contrapartidas, ou seja, o que seria possível construir caso o projeto fosse implementado, com melhorias comunitárias e até conseguir verbas para projetos e outras iniciativas. A população aderiu em grande número.

O primeiro passo foi trancar as lixeiras, uma vez que lixo não existe de antemão – nós que produzimos. No lugar da lixeira, montou um residuário – colocou uma bombona de compostagem, uma bag para cada tipo de resíduo e na parede um informativo sobre as formas corretas de descartar, além de um recipiente para os orgânicos não compostáveis.

Espalharam bombonas de compostagem pelas vielas e instituíram a revolução do baldinho – deram um baldinho para cada casa, onde os moradores depositariam seus resíduos orgânicos, para ser trocado semanalmente por um limpo. O projeto consegue remunerar 4 moradores da comunidade para serem os agentes lixo zero, que trabalham a gestão do sistema dos baldinhos.

O projeto Favela Lixo Zero tem uma característica open source exemplar – é um projeto cujo nome, materiais, e outros conteúdos, são livres para serem utilizados e replicados por outras pessoas que queiram implementá-lo em suas comunidades – para Michele, projeto social não tem dono!

Quando perguntamos, dentre outras coisas, sobre abordagens que o projeto escolheu para conseguir a adesão dos moradores, Michele trouxe mais uma vez a perspectiva do olho no olho: representantes do projeto (não há voluntários, os colaboradores recebem uma bolsa salário) batendo de porta em porta para apresentar as ideias e convidar os moradores para a mudança. Todas as pessoas são importantes, é fundamental olhar no olho, chamar pelo nome e fazer esse esforço de “formiguinha”.

Por fim, ela nos disse que por muitas vezes foi criticada por outras pessoas, “você não vai conseguir mudar o mundo sozinha”, mas não estamos sozinhos, somos muitas e muitos, só precisamos nos encontrar! Temos certeza que você que está lendo esse relato está conosco nessa corrente pelo meio ambiente, vamos juntos!

 

Deixe um comentário