Lixo em Pauta – Relatório das Lives #3

Live #3 – Projeto ReciclAção

 

 

O terceiro encontro promovido nas nossas rodas de conversa foi com a Zoraide, conhecida como Cris dos Prazeres, representante do projeto ReciclAção, situado no Morro dos Prazeres, uma comunidade do Rio de Janeiro. O projeto Reciclação foi uma de nossas referências na inscrição do edital Urbe Urge do BDMG, e poder conversar com ela foi de grande inspiração para nós.

Começamos o papo falando sobre o aspecto visual que o cuidado com as comunidades proporciona. Não só pela limpeza das ruas, mas também pelas cores e pelo graffiti. No Morro do Papagaio temos o projeto referência Favela Bela, e a Cris contou sobre o projeto Graffiti Prazeres, que contribuiu bastante para a mudança percebida na comunidade, o pertencimento e o orgulho por parte dos moradores. Criaram também o Caminho do Graffiti, um percurso interno na favela pelos painéis de diversos artistas que colocaram sua arte nos muros da favela.

Cris nos disse que tem um pé muito forte na saúde e na educação. “A rede pra mim é a grande força dos coletivos”, segundo a Cris. Iniciou os trabalhos a muitos anos mas nunca esteve sozinha – segundo ela, uma ideia só se materializa quando é compartilhada por mais pessoas.

No início da sua trajetória, em 1989, sempre se moveu pela sua curiosidade e sua intenção de participar dos movimentos que enxergava na comunidade dos prazeres. A pergunta “como posso ajudar?” abriu diversas portas para a Cris, que veio do nordeste ainda moça. Sempre foi ativista e proativa na comunidade, com intuito de ajudar – tinha uma inquietação grande sobre como poderia melhorar a situação em que viviam as pessoas  da comunidade.

Acessos precários, falta de saneamento, muita precariedade – como era possível ser feliz nesse cenário?

O Morro dos Prazeres é localizado no bairro de Santa Theresa, no centro do Rio de Janeiro, numa localização estratégica, como aponta Cris. A acessibilidade é um problema peculiar da favela, cujo transporte público chega somente às beiradas – moradores têm que seguir a pé pelas ruas e vielas apertadas.

Em 1992 iniciaram uma organização de saúde, que se consolidou em 1998 como Grupo PROA (Prevenção Realizada com Organização e Amor). O grupo ao longo dos anos participou de diferentes iniciativas, como fóruns e conselhos de saúde, além da realização de projetos e eventos.

Entenderam nessa oportunidade que é fundamental que andem lado a lado com o serviço público, que é essencial para que se tenha o mínimo de dignidade. Queriam que a comunidade tivesse acesso à saúde, que era muito complicado pelos problemas de acessibilidade.

Perceberam que a questão da saúde era importante ser complementada com a questão ambiental. Em 2010 houve uma tragédia ambiental no terrítório que sensibilizou ainda mais o coletivo e toda a comunidade a esse respeito. A partir de todo trabalho desenvolvido até então por meio do PROA, foi mais fácil conseguir não só acolher as famílias, mas fomentar também a discussão ambiental na comunidade – de dentro para dentro.

 

 

Em 2011 e 2012 realizaram pesqusias, mutirões e fomentaram ações para gerar uma tecnologia para educação ambiental, que se tornou o ReciclAção. Em 2013 foi lançado o Projeto ReciclAção, em uma parceria do grupo PROA, com objetivo de desenvolver ações de consciência ambiental através da coleta seletiva e ações educativas dentro e no entorno da comunidade.

Depois de muito planejamento e reuniões chegou a hora de colocar a mão na massa, o que a Cris salienta ser fundamental: que as pessoas sejam o exemplo caso queiram que o projeto se torne real. Mutirões, gincanas, varridão cultural, distribuição de vassouras – perceberam  que o resíduo é também uma forma de gerar renda.

Relatou que a comunidade era muito distante desse discurso e via, em geral, os resíduos somente como lixo, mero descarte. Abordaram crianças, mães e avós, dentro das igrejas e outras instituições com a intenção de tornar o assunto assimilável aos variados grupos do local.

Em 5 anos, foram realizados 180 cafés da manhã comunitários, 45 mutirões de limpeza, 60 bingos ecológicos, 250 oficinas de reaproveitamento de resíduos, 325 palestras/encontros e com isso cerca de 84 toneladas de material reciclável e 2.600 litros de óleo reciclados.

Com o problema de ratos na comunidade, passaram a enfocar também a compostagem de resíduos orgânicos na sua plataforma de educação ambiental. Paralelamente, começaram um trabalho de preservação das encostas e fomentaram o desenvolvimento de diversos tipos de hortas na comunidade.

Com a pandemia, a potência das redes se mostrou ainda maior. O ReciclAção passou a participar de diversos eventos online, como foi a nossa conversa, e também o Intercâmbio da Rede Favela Sustentável que aconteceu em 2021, o qual também estivemos presentes.

 

 

Promoveram também ações educativas de levar as crianças para lixões irregulares, como são os mangues às margens da cidade do Rio, para trabalhar a conscientização do destino que é dado ao lixo quando não se tem essa preocupação.

Cris já foi chamada de “Louca do Lixo” na comunidade, tamanho era seu comprometimento e o exemplo que dava aos demais moradores. De mutirão em mutirão, o mundo dos sonhos começou a se tornar real e o projeto começou a ganhar visibilidade, inclusive foram convidados a ministrar falas e aulas dentro e fora da comunidade, receberam prêmios nacionais e internacionais pelo trabalho feito e conseguiram feitos incríveis como reaver áreas de “lixões históricos” da favela, transformando-os em hortas e áreas de convivência.

Todo ano rodam uma média de 10 cidades no estado do Rio dando oficinas de reciclagem para fazer artesanato com material reciclado. Vão também aos núcleos de juventude mostrar que é possível se sustentar com empreendedorismo ambiental e social.

Destacou mais uma vez a importância de estar em consonância com o serviço público e a importância da resiliência – no início foi ridicularizada, teve dificuldade em reunir quórum para suas ações mas se manteve firme até que a mudança fosse internalizada pelos moradores. Hoje não precisa mais organizar mutirões, a própria comunidade se organiza organicamente para realizar inciativas de limpeza comunitária.

Sobre a mudança de hábitos, Cris contou que começaram com ações de pesquisa e mapeamento na comunidade: para conseguir descobrir de quem era o lixo jogado inadequadamente e também identificar os moradores que se incomodavam com a problemática da sujeira. Faziam inúmeras ações de conversa em variados grupos, como igrejas e escolas e também promoviam ações culturais para chamar atenção a essa temática.

A rede, os exemplos, as tecnologias estão aí para serem compartilhadas, como nos disse a Cris. Os projetos são vários, mas o movimento é um só, em prol do meio ambiente e sobretudo da sustentabilidade nas favelas.

Deixe um comentário