Nenhuma casa é uma ilha
Quando o Educativo do BDMG Cultural me convidou para realizar uma oficina sobre vizinhanças e linguagem e como poderíamos agenciar as pessoas para pensar novas e outras formas de se relacionar com suas vizinhanças, ainda não estávamos vivendo os impactos da pandemia do COVID-19. Nossa oficina seria presencial. Eu cheguei a pensar algumas propostas que envolviam nossos corpos na rua – caminhando e conversando com os vizinhos – para disparar processos de escrita. Depois do isolamento, tanto essa primeira ideia se mostrou completamente inviável como me colocou diante de um desafio: mediar/conduzir um processo coletivo de escrita sem a presença física. Nunca tinha feito isso antes. Toda minha experiência como professora se dá nesse espaço de encontro, de aprendizados e de trocas que acontece quando nos reunimos em círculo, seja em volta de uma mesa ou sentados no chão de uma praça/parque ou de uma sala.
No primeiro dia, estava um pouco apreensiva, cheguei a comentar isso com as quase 60 pessoas que tinham se inscrito na oficina. Estava com medo da internet cair, de não conseguir ouvir as pessoas e estabelecer com elas uma conversa. Medo de falar para as paredes, ou melhor, de ter a sensação de que estava falando para o vácuo. Mas felizmente, nada disso aconteceu. Pelo contrário, o fato da nossa oficina ter sido realizada exclusivamente nas plataformas digitais possibilitou que pessoas que não poderiam participar, porque não moram em Belo Horizonte, pudessem estar conosco durante os quatro encontros virtuais.
A oficina teve participação de pessoas do Rio de Janeiro, de São Paulo, do interior de Minas Gerais (Governado Valadares, Alto do Rio Doce), de Palmas (Tocantins), da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Contagem, Nova Lima) e de pessoas de diferentes regiões da cidade. Todos, como eu, um pouco cansados dessa interação excessiva que vivemos nas redes sociais.
Justamente por isso, para tentar sair um pouco da internet, a proposta foi pensar as relações de vizinhança de forma mais especifica, como estamos lidando com nossos vizinhos – parede com parede – no atual momento. Como se relacionar de forma analógica com esse tema?
A oficina foi um espaço para trocas de referências, mas principalmente para a escuta – por meio dos textos que foram escritos – do que cada um está sentido e como tem atravessado esse período tão complexo.
Muitas pessoas que fizeram a oficina escreveram textos ficcionais, textos que tentam pensar a vizinhança a partir de uma perspectiva mais solidária, gentil, afetuosa, mas sabemos (e conversamos sobre isso) que a vizinhança é também um espaço conflituoso e tenso. Outros participantes trouxeram experiências reais do que estão vivendo, em suas cidades, ruas, prédios e bairros. Foi uma riqueza poder ler/ouvir e conhecer todas essas histórias e experiências.
O que nos mostrou que mesmo com essa sensação persistente de cansaço, tristeza e impotência que estamos vivendo diante dos fatos, do número de pessoas que morreram e que seguem morrendo, existe, ainda, um pequeno impulso de invenção e de alegria. Impulso que está por um fio, como descreveu tão bem uma participante.
Minha percepção é que conseguimos condensar esse impulso nos textos que foram escritos e reunidos em uma publicação digital. Mesmo contra toda ansiedade que esse momento gera, acho que conseguimos criar uma pequena uma ilha de invenção coletiva, mas não a ilha deserta do Robinson Crusoé e sim uma ilha povoada, repleta de embarcações, que chegaram trazendo notícias de outras ilhas.
Para baixar a publicação resultante da oficina, clique nos links abaixo: