Vizinhanças

Jogos de outros mundos

Às Margens
28 Mai 2020 5 Min

Certa vez aprendemos com Nêgo Bispo que o melhor lugar para se guardar peixe é o rio. Também nos disse Guimarães Rosa que perto de muita água tudo é feliz!

Onde estão os peixes, os rios, toda essa água e a felicidade em nossas vizinhanças? A maioria de nós, participantes da oficina Jogos de outros mundos: criação de jogos educativos sobre natureza e vizinhanças possíveis, vive em cidades construídas, dia após dia, a partir das grades do progresso. Esse que transforma ruas brincantes, riachos e matas em avenidas tomadas por carros e concreto.

A partir de observações, memórias e reflexões sobre a natureza nas nossas vizinhanças, convidamos as participantes da oficina à criação compartilhada de um jogo de tabuleiro. No processo, pudemos perceber sensivelmente a presença e as possibilidades de convívio com a natureza no cotidiano, e, também, dialogar sobre outros mundos vividos, possíveis, imaginados, utópicos. Participaram da oficina educadoras com diferentes experiências e áreas de atuação: educação integral, infantil, fundamental e médio e educadoras populares. Com essas educadoras, formamos a “equipe de outros mundos”, como algumas delas nos nomearam.

Em meio à pandemia da Covid-19, estamos reinventando as formas de viver, de nos relacionar, de jogar e de encontrar com gente desconhecida para criar algo juntas. A oficina aconteceu numa plataforma de encontros online, onde experimentamos maneiras de conversar em grupão e em pequenos grupos, desenhar a muitas mãos, fazer toró de palpites, criar uma banda e tocar instrumentos imaginários. Todas nós trouxemos referências de filmes, brincadeiras, pensadoras, pedagogas, praias urbanas, músicas e práticas para enriquecer a conversa.

Tivemos quatro encontros. No primeiro, uma conversa sobre nosso tema: as outras vizinhanças e naturezas possíveis. Nos encontros seguintes, pensamos juntas na história do jogo e nos dividimos em pequenos grupos de trabalho: pensar a mecânica, escrever as cartas, imaginar os personagens, criar o tabuleiro, fazer as ilustrações, escrever uma carta-convite para outras educadoras que queiram usar o jogo. No último dia, não havia outra opção: imprimimos um protótipo do jogo e experimentamos um teste desajeitado que misturava jogo impresso, jogo no computador, jogadoras nos quadradinhos da reunião virtual e criatividade de sobra para imaginar como seria jogar lado a lado. Se havia uma certeza, era essa: se o jogo funcionasse assim, em nosso teste virtual e desajeitado, quando a jogatina pudesse ser em roda, presencialmente – quem sabe debaixo de uma sombra de árvore com frutas maduras e um rio por perto para um mergulho depois –, jogar seria uma beleza!

Ao final, o nosso jogo surpreendeu a todas, e esperamos que a vocês também: a Bicharada, uma banda de bichos do Cerrado, está embarcando numa viagem até o Festival MOTIRÕ, que dá nome ao jogo e é realizado por bichos de todos os biomas brasileiros na luta contra as queimadas! O jogo poderá ser impresso em casa, em versão colorida ou para colorir, e também em gráfica. Cada versão será única: ao ser reproduzido por outras pessoas, escolas e grupos, as cartas e regras poderão ser reinventadas a cada nova jogada.

Prontas para jogar?!

Para baixar os arquivos de impressão do jogo, clique nos links abaixo:

Jogo para imprimir em casa – colorido ou para colorir

Jogo para imprimir na gráfica

Deixamos aqui o nosso muito obrigada às 15 participantes da oficina e às 153 pessoas que se inscreveram, que nos motivaram a desejar muitas outras oportunidades de criar jogos e trocar ideias com educadoras! Um agradecimento especial à “equipe de outros mundos”, as participantes que se engajaram na construção do jogo durante e fora da oficina, e que compartilharam conosco muitas possibilidades de vizinhanças brincantes e cuidadosas com todos os seres: Adriana, Cleidiane, Dani, Igor, Ivete, Maisa, Maria Clara (que ilustrou a bicharada multiinstrumentista mais charmosa que vocês vão encontrar por aí!), Neide e Roseli; e, claro, às equipes do BDMG Cultural e do Micrópolis (Fiu, Gabi, Marcela, Vitor e Belisa), que nos ajudaram a pensar, preparar e convidar para a oficina e a desenvolver nosso jogo, e que também caminham conosco experimentando novos mundos.

Para nós é muito especial a oportunidade de conversar com educadoras. Tanto porque adoramos aprender sobre práticas pedagógicas quanto porque pensamos que esse grupo tem um grande potencial multiplicador do jogo que foi feito na oficina e do processo de criação de outros jogos. Para nós, é também uma possibilidade de ampliar a conversa sobre os modelos de educação e pedagogia que reproduzimos em nossa sociedade, em nossas escolas e nossas comunidades. Vimos pensando que uma educação para a liberdade não pode se fundar na transmissão de conhecimentos de um mestre que sabe para um aluno que não sabe – processo que funciona mais para reproduzir desigualdades do que para participar da emancipação das estudantes.

Gostamos de investigar caminhos para uma construção coletiva de conhecimentos a partir da prática de cada uma e da experiência do grupo. Pensamos que o jogo pode ser uma interface para inverter as lógicas de hierarquia e poder na “sala de aula” (e, esperamos, muito mais fora dela), por permitir que estudantes tenham autonomia para compreender e desvendar os temas e conteúdos do jogo coletivamente sem a necessidade de um mestre-explicador-transmissor-de-conhecimentos. No jogo que criamos, as estudantes são ativas: ao jogar, elas observam, comparam, interpretam, resolvem conflitos, criam laços e agem em coletividade. Buscamos trazer temas que importam à sua vizinhança e à sua vida, e, como o saber sócio-espacial está muito ligado à experiência, podemos partir do que já se sabe para buscar novos conhecimentos. Esperamos que o jogo comece boas conversas por aí! Caso surjam dúvidas ou tenham sugestões para melhorias, falem com a gente: coletivoasmargens@gmail.com

Às Margens

 

Coletivo formado pelas arquitetas e urbanistas Aline Franceschini e Isabela Izidoro, que se descobriram educadoras e ilustradoras a partir da sua prática. Desde 2015 experimentam, em ações de pequena escala, diferentes modos de viver e se relacionar com as outras pessoas e com a natureza. O jogo é uma de suas principais ferramentas de trabalho, na busca por uma educação para a liberdade para que as pessoas e grupos tenham autonomia nas criações cotidianas de seus modos de vida e de seus territórios.