O que instituições culturais podem fazer agora?
Por Gabriela Moulin
A pandemia chegou e com ela o fechamento de escolas, teatros, cinemas, casas de espetáculos e uma longa lista de serviços e comércios. E, pelo bem coletivo, devemos ficar em casa.
É um cenário que nos obriga a modificar e a repensar muito a nossa experiência poética com o mundo, a nossa vivência imaginativa e as implicações corporais da vida coletiva. Experiências e possibilidades que fazem parte do complexo, instável e poderoso sistema que nos faz saudáveis, no sentido mais amplo da palavra.
Na maior parte do tempo, a cultura e a arte estimulam momentos gregários, coletivos, colaborativos, vibrantes, mas elas também carregam em si caráter imersivo e contemplativo. E é dessa polivalência que precisaremos nos valer.
Além disso, a crise sanitária afeta muito o setor cultural, que é responsável por 4% do PIB nacional e emprega cinco milhões de pessoas, de acordo com dados do IBGE. Um setor de profissionais autônomos, que com certeza será profundamente impactado pelo momento atual. Alguns governos têm ensaiado respostas para esses desafios, precisamos acompanhar suas consequências e desdobramentos.
Diante de tudo isso, qual o papel das instituições culturais?
No Brasil, rapidamente, começamos a responder, a exemplo de países que entraram precocemente na crise, com a oferta de conteúdos gratuitos, estímulo a apresentações artísticas online e inúmeras indicações, dicas, newsletters e posts sobre “o que fazer em casa na quarentena”.
Este parece ser um papel fundamental que, no BDMG Cultural, também queremos perseguir. E já vínhamos fazendo quando decidimos criar conteúdos diversos para refletir sobre a cultura contemporânea. Afinal, para nossa sanidade emocional, vamos precisar criar novos momentos poéticos e não nos deixarmos tomar por alguma falta de esperança. Não podemos assistir somente ao noticiário alarmante, não podemos ser só isso. E precisaremos, mais do que nunca, da experiência digital para nos conectar com o mundo.
Mas nos parece que é necessário pensar além. Somos produtores de conteúdo, mas também temos um papel cívico e social estruturante para a coesão social, para a produção de conhecimento e para a construção e o compartilhamento de saberes. Sem falar em inovação, diversão, imaginação.
Instituições culturais podem ter papel fundamental na constituição de uma comunidade, quer seja ela territorial ou não. E, num momento de fechamento de fronteiras (antes e pós coronavírus), talvez a arte tenha um “passe livre” que nenhuma outra invenção humana tem. E, até agora, foi isso um dos motivos do que há de abundante no mundo do século 21. Penso na escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie que faz parte do grupo crescente de filhos de imigrantes nigerianos que já se tornaram criadores centrais no mundo das artes dos EUA. Penso na experiência da Casa do Povo, em São Paulo, que a partir de uma construção histórica da comunidade judaica se renovou de uma forma muito contemporânea na consolidação de laços com a comunidade paulistana, coreana, boliviana, entre outras, do bairro do Bom Retiro, na capital paulista. Penso na experiência do Cine Barranco, em Januária, norte de Minas, que a partir da energia vital de um jovem que foi para São Paulo estudar Economia na Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e voltou para sua terra natal (caminho contrário do tradicional fluxo migratório) está gerando um movimento de fruição cultural e mobilização social para, numa cidade sem cinema, ver cinema. Penso no Lá na Favelinha, experiência cultural e social única no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte.
Ao planejar o ano de 2020 no BDMG Cultural vimos a necessidade de pensar uma ação educativa e o fizemos com o coletivo Micrópolis. E o artigo que escrevemos antes da crise sanitária nos parece mais potente do que nunca.
“Vizinhanças foi o termo escolhido para guiar as atividades educativas propostas pelo BDMG Cultural que, além de perpassar e estabelecer conexões entre os projetos, opera também como um objetivo a ser alcançado. De um ponto de vista geográfico, uma vizinhança evoca a contiguidade das casas, das ruas e das pessoas, uma proximidade espacial essencial para a constituição da experiência coletiva. Mas também implica em um gesto de aproximação: avizinhar-se é tentar tornar possível uma vida em comum, reconhecendo a importância das distâncias necessárias. Ao articular essa temática com as questões, projetos, discussões e pessoas envolvidos na programação do BDMG Cultural, buscamos estabelecer gestos de aproximação, lugares de compartilhamento e possibilidades de coexistência por meio do programa educativo.”
Estamos isolados, mas ainda temos vizinhos. Os italianos estão cantando juntos em suas varandas. Vamos nos avizinhar.
O BDMG Cultural vai trabalhar para isso durante a quarentena. Vamos começar por nossas redes, pelo compartilhamento de conteúdos e pelo compromisso de manutenção de nossos editais. Mas estamos profundamente comprometidos em pensar sobre quais outros papeis poderemos desempenhar.
Estamos comprometidos em melhorar a vida pública.
Obra: Stadia I, de Julie Mehretu (2004). Tinta acrílica sobre tela. 107 × 140 cm. Acervo do Museu de Arte Moderna de São Francisco (SFMOMA)