4. Com quantas estéticas se faz uma imagem de Brasil?
Texto Nº 4 de uma série de 6 textos
A escolha pelo concretismo de Antônio Maluf para ilustrar o cartaz da 1ª Bienal de São Paulo demonstra a predileção estética dos organizadores do evento. A arte moderna se expandia na matemática visual do design gráfico, nos traços do desenho industrial. Cartaz da 1ª Bienal. Antônio Maluf, 1951. Acervo Bienal de São Paulo.
O fenômeno de “atualização estética” ocorrido no Brasil entre os anos 1940 e 50 não foi nada natural. Ao contrário, foi resultado dos esforços coletivos, que envolveu críticos, editores — com suas publicações cadernos culturais dos jornais e revistas especializadas balanços, teoria e análises estéticas produzidas no exterior —; artistas brasileiros, — eles mesmos os principais atores desse processo; mas também patrocínios particulares, que impulsionaram o universo artístico no Brasil. Além do já citado Assis Chateaubriand, outro nome importante nesse mecenato foi Francisco “Ciccillo” Matarazzo. O paulistano havia bancado a fundação do Museu de Arte Moderna; e, pensando alto, aproveitou de suas galerias para trazer à São Paulo uma experiência que se mostrou um sucesso internacional — sendo considerado o principal acontecimento artístico fora dos Estados Unidos e Europa, já em sua primeira edição —: a Bienal de São Paulo.
A “I Bienal do Museu de Arte Moderna” ocorreu entre outubro e dezembro de 1951. Contou com a impressionante cifra de 1854 obras, produzidas por 729 artistas de 25 países. Galerias especiais prestigiaram um seleto grupo de pintores modernos brasileiros: Cândido Portinari, Di Cavalcanti e Lasar Segall. A inspiração para a mostra foi a Bienal de Veneza — cuja primeira edição ocorreu ainda no século 19, em 1895. Segundo Matarazzo, o objetivo da Bienal era “tentar conquistar para a cidade de São Paulo a posição de centro artístico mundial”.
Para o crítico Mário Pedrosa, a Bienal de São Paulo obteve êxito não apenas em reformular a imagem do Brasil no estrangeiro, mas também por atualizar a produção nacional em relação àquela produzida no exterior. “Ampliar os horizontes da arte brasileira” de modo a “romper o círculo fechado em que se desenrolavam as atividades artísticas no Brasil, tirando-as de um isolamento provinciano”, nas palavras de Pedrosa.
As obras vencedoras — afinal, havia um “quê” de competição nas primeiras bienais — nos campos da pintura e escultura foram, respectivamente, Formas, do carioca Ivan Serpa, e Unidade Tripartida, do suíço Max Bill . O quadro de Serpa é, em resumo, o que o título sugere: uma composição de formas — circulares, de tons ocres, flutuando em um espaço neutro. Já a escultura de Max Bill, uma peça vazada, feita de aço inoxidável, reproduzia a fita de Möebius — uma estrutura orgânica, infinita, em que as linhas se dobram e se entrelaçam em pontos simultâneos da obra, num movimento contínuo que não deixa saber onde começa e onde termina.
Concretos
A consagração desses dois trabalhos — em especial a escultura de Max Bill — irá influenciar decisivamente os rumos da produção artística do país em direção à uma arte moderna, geométrica, matemática e racional.
Essa manifestação artística seguia uma corrente da qual Max Bill foi o principal divulgador pela América Latina: o concretismo. Tendo em vista a análise de Pedrosa sobre a Bienal, o resultado dessa promoção do concretismo no Brasil foi além do esperado: o país não apenas se atualizou esteticamente, mas produziu ele próprio uma nova leitura dessa arte de vanguarda.
“A obra, tal qual num teorema de álgebra, se desenvolve”. Essa é uma das definições dadas por Max Bill para a arte concreta. Para além de sua habilidade como artista, o suíço foi um importante teórico do campo visual no século XX. Seu período de formação — que incluiu um tempo como estudante na revolucionária escola arte da Bauhaus, na Alemanha — coincide com um momento em que o design, o desenho industrial e a arquitetura se amalgamaram sob uma mesma perspectiva funcional e, ao mesmo tempo, criativa: o construtivismo. Max Bill defendia que, diferentemente de um abstracionismo que permite que o artista exerça sua subjetividade, a arte concreta é objetiva, sem que haja nenhum elemento injustificado. Manifesta-se a forma pura, sem qualquer outra significação senão aquilo que se vê: linhas, pontos e cores num diálogo entre si e com o espaço no qual estão inseridas — ou seja, a maneira como se arranjam e ocupam as dimensões do quadro ou da escultura. A obra não seria aqui fruto de pura inspiração, mas um trabalho meticuloso, preciso, antirromântico por assim dizer, praticado pelo artista — ainda que não seja de todo enganoso pensar haja aqui uma certa “romantização” da percepção visual ao buscar pela pureza das formas.
A linguagem incutida no conceito de arte concreta encontrou aderência no contexto desenvolvimentista do Brasil nos anos 1950. Décadas mais tarde, o crítico e poeta Ferreira Gullar declarou que, “ao contrário das tendências individualistas ou niilistas da arte contemporânea, a arte concreta deriva de um compromisso com a época moderna, com a sociedade industrial, dentro da qual o planejamento conta como fator relevante”.