REVISTA nº 3

Por que fazer juntos?

São poucas as coisas que se consegue fazer sozinho. 

Micrópolis
04 Nov 2020 4 Min
Por que fazer juntos?
Churrasco organizado com os ex-moradores da Vila Itororó, em São Paulo, durante a residência Vila Itororó: Canteiro Aberto. Foto: Arquivo Micrópolis

Quando começamos a trabalhar juntos em 2010, a nossa maior motivação era a possibilidade de experimentar uma tipologia de trabalho que não encontrávamos dentro da universidade e, muito menos, nos formatos dos escritórios que atendem às demandas do mercado formal de arquitetura. Diante das alternativas, na época opostas, entre universidade e mercado de trabalho, procurávamos abrir novas trilhas pelo caminho do meio, que desafiasse as fronteiras entre a prática profissional e a educação. A busca por essa outra via – que naqueles tempos ainda parecia ser algo um tanto nebuloso e incerto –, só seria possível com um esforço coletivo, por meio do qual poderíamos testar uma estrutura experimental de trabalho livre de uma organização hierárquica.

Ao fazer isso, nós e tantos outros grupos que surgiram na América Latina ao longo da última década se desafiaram a articular seus interesses por uma agenda social e política com métodos de design participativo que ampliam a compreensão e o valor da produção arquitetônica e urbanística.

Ocupação da rua Sapucaí, em Belo Horizonte, durante o evento Quintal Eletronika. Foto: Arquivo Micrópolis

As intenções e a escala desse movimento coletivo contribuíram para problematizar questões de autoria, colaboração e participação, reposicionando o papel dos arquitetos e urbanistas em um território que passava – e ainda passa – por fortes turbulências políticas e econômicas.

Diante da complexidade dessas mutações urbanas e práticas culturais, sociais e políticas correntes nas cidades, cujas demandas não conseguiam ser direcionadas a um único campo do conhecimento, era normal nos questionarmos sobre as inúmeras limitações de se trabalhar sozinho. A cada comunidade, a cada bairro, a cada nova demanda, fomos compreendendo que pensar projetos que partissem do cotidiano de um território pressupunha necessariamente construí-los junto com as pessoas daquele território. Pouco a pouco, passamos a tomar gosto pelo encontro e pela escuta dessas pessoas, cujo conhecimento (por vezes muito mais potente do que aquele transmitido nas salas de aula) afetou e desestabilizou fortemente nossa forma de pensar e de atuar.

Conversa com David Popygua e Sonia Ara Mirim no projeto Refundações, no Sesc Ipiranga, em São Paulo. Foto: Arquivo Micrópolis

Naturalmente, nosso coletivo se ampliava diante da necessidade de estarmos atentos e disponíveis às possibilidades de colaboração de pessoas que, a princípio, não faziam parte do grupo. Assim, ao longo dos anos, conseguimos multiplicar os nossos esforços, aumentar o nosso fôlego e experimentar a nossa prática como uma plataforma de troca com as pessoas que estão envolvidas e são alcançadas por nossos projetos. Essa é uma forma não somente de tornar as nossas propostas mais eficazes e abrangentes, mas, principalmente, de encarar o nosso cotidiano de trabalho como um ambiente educativo – e não como um objeto de estudo ou como um simples suporte para a prática. Um ambiente aberto, não hierárquico, onde os gestos de ensinar e aprender transitam entre os diversos sujeitos implicados, fazendo emergir novas maneiras de ver, entender e agir no mundo.

Mapeamento coletivo realizado com alunos da Escola Estadual Maria Josefina Salles Wardi, no bairro Jardim Canadá, em Nova Lima. Foto: Arquivo Micrópolis

Entretanto, em uma relação de trabalho horizontal e flexível, é preciso estar disposto a lidar com os desacordos: não se pode esperar que a mobilização por afetos comuns aconteça sem discordância e dissenso.

Afinal, a coletividade é composta por indivíduos com pontos de vista divergentes que se relacionam para elaborar e responder a questões de interesse. Nesse processo, o dissenso e os conflitos são constantes, o que poderia ser encarado como obstáculo. Mas preferimos enxergar isso com uma inquietude produtiva, que nos faz debater, revisar, antecipar problemas e repensar a nossa prática constantemente.

Para que a possibilidade de construção coletiva aconteça, são necessárias uma abertura para o diálogo, uma disposição para compreender outros pontos de vista e, sobretudo, ter paciência em relação à dilatação do tempo – para que todas e todos tenham a chance de fazer parte. E isso só se aprende na prática, no difícil, porém potente, exercício do fazer junto.

Show de bandas locais realizado durante a ocupação da Auto Rádio na Feira do Durval, nos bairros Lindéia e Regina, em Belo Horizonte. Foto: Arquivo Micrópolis

Essa busca por práticas coletivas, que durante a última década foram se tornando cada vez mais comuns no universo da arquitetura, da arte e do design, parece ter voltado a se fazer urgente em 2020, um ano em que todas e todos nós fomos desafiadas a continuar dividindo o mundo sem compartilhar os mesmos espaços. Apesar da reação imediata a esses tempos incertos ser a de nos recolhermos e nos fecharmos frente ao desconhecido, cada vez mais o trabalho coletivo se mostra essencial para vislumbrarmos alternativas de um futuro compartilhado. Mais do que profetizar cenários, o momento atual pede que reformulemos as perguntas que guiam as nossas práticas coletivas, seja qual for nosso campo de atuação.

Micrópolis

 

é um grupo de arquitetos que atua nos cruzamentos entre espaço, design e educação. Colaborador do programa educativo do BDMG Cultural 2020, o coletivo se dedica a projetos e ações em pequena escala, capazes de fazer emergir particularidades e imaginários locais que apontem para novas possibilidades de envolvimento e transformação coletiva do espaço.

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