LAB Cultural: pesquisas artísticas integradas
Tutoria LAB Cultural 2021: Aline Motta, Dione Carlos, Gil Amâncio e Ricardo Aleixo
28 Mai 2021 |

LAB Cultural: pesquisas artísticas integradas

Aline Motta, Dione Carlos, Gil Amâncio e Ricardo Aleixo formam a tutoria do LAB Cultural e falam sobre o programa de valorização e incentivo de processos artísticos do BDMG Cultural

Paulo Proença
28 Mai 2021 12 Min

Idealizado pelo BDMG Cultural em 2020, o LAB Cultural é um programa de valorização e incentivo à pesquisa e desenvolvimento de processos artísticos e culturais em Minas Gerais. Para 2021, o programa reconhece também a potência das novas formas de comunicação, que tiveram sua utilização ampliada em virtude da pandemia da covid-19, mas que efetivamente nos possibilitam interações e entrecruzamentos com conhecimentos mais plurais, criando pontes e estreitamento de laços. Respeitando a segurança sanitária necessária para a realização das atividades e todas as indicações científicas para isso, o programa enfatiza a construção coletiva de conhecimento, incentivando e valorizando o diálogo, as trocas e experiências entre artistas e profissionais de diversas áreas do saber. 

Ao todo, serão selecionados 20 projetos artísticos que se manifestem por meio das artes visuais, da escrita, cênicas, da dança, expressões corporais, dentre outras, a serem desenvolvidos durante cinco meses de pesquisa, mediante o recebimento de uma bolsa mensal. Os projetos selecionados contarão com a tutela da artista visual e pesquisadora Aline Motta; da dramaturga, roteirista e atriz Dione Carlos; do artista multimídia Gil Amâncio; e do artista-pesquisador intermídia, ensaísta e editor Ricardo Aleixo.

Como na edição anterior, o LAB Cultural promoverá o compartilhamento de conhecimento e dos processos artísticos desenvolvidos, que serão apresentados na plataforma exclusiva do programa, para ampliar as possibilidades de reflexão e diálogo dos artistas selecionados com a sociedade.

Conversamos com a tutoria do programa LAB Cultural 2021, que analisa a importância da iniciativa para artistas e para o fomento de processos artísticos. Acompanhe as entrevistas.

  • Por que um programa de pesquisa de processos artísticos como o LAB Cultural é importante?

Aline Motta: É importante porque mobiliza uma instituição e a sua responsabilidade para o momento histórico que a gente vive. É a importância de uma instituição entender o seu papel em um momento como esse e organizar, com muita sensibilidade, um edital que possa contemplar e descentralizar os recursos financeiros para todo um estado. E isso é muito importante, porque a gente vê uma concentração de recursos nas capitais. E a gente precisa muito descentralizar. 

Dione Carlos: Um projeto como o LAB Cultural possibilita que artistas possam dedicar tempo para suas pesquisas, algo nem sempre possível em um cenário devastador como o que estamos vivendo, em que a Cultura vem sendo um dos setores mais vilipendiados, junto com a saúde e a educação. Aliás, a arte envolve não somente educação, mas também saúde mental, é importante dizer. E sabemos como as pessoas, sobretudo na pandemia, vêm buscando refúgio nos filmes, livros, séries, músicas, etc. Logo, obras de artistas. Um programa como esse, além de garantir que um, uma artista continue em ação, permite que ele, ela atue como agente multiplicador/multiplicadora em sua comunidade.

Gil Amâncio: A meu ver, são dois motivos importantes. Um está ligado a importância da pesquisa para os processos de criação, de produção de material reflexivo e de formação artística e o segundo  é o fortalecimento de políticas públicas voltadas para arte, porque ainda são poucas as instituições, fora das universidades, que investem em bolsas de pesquisa no campo da arte de forma continuada em Belo Horizonte.

Ricardo Aleixo: São vários os momentos na história da arte em que registra essa pré-figuração feita por artistas daquilo que ainda nem se constituiu enquanto semente, enquanto projeto para a sociedade. Seja do ponto de vista de pesquisas científicas ou de experimentos no campo do comportamento e outros, seja na previsão de desastres, como desastre, que é a configuração atual da sociedade brasileira. Isso está sendo dito, essa pedra está sendo cantada por inúmeras gerações de artistas nossos. E é a pesquisa que potencializa isso. Daí a importância de projetos tão arrojados em suas premissas, em suas intenções como o LAB Cultural. Porque a arte é, do modo como eu concebo, ao mesmo tempo um retrato, um testemunho do tempo em que ela é feita e é possível antecipação dos contextos futuros.

  • Qual a importância deste programa neste momento?

Aline Motta: Quando vejo um edital como o LAB Cultural e vejo sensibilidade para a questão da descentralização, é algo muito importante e muito urgente. E também há uma sensibilidade que, muitas vezes, não vejo em editais, que é da remuneração mensal para os residentes. Isso é muito importante. Porque além da mentoria, que me sinto muito honrada de poder proporcionar e em poder trocar, ela é sempre um ato de generosidade tanto meu como da outra pessoa, do outro artista. É uma relação que busco sempre de horizontalidade, de sempre dar e receber também. Essa interação é muito importante e alimenta muito tanto o meu trabalho quanto o trabalho dos artistas que serão selecionados. Às vezes, eu vejo algumas residências perderem isso um pouco de vista: da remuneração para os artistas participantes. Não só para que eles possam se dedicar, porque a gente sabe das implicações financeiras, de se dedicar a um projeto artístico, mas o entendimento de que artistas devem ser pagos pelo seu trabalho. Nesse caso, eu acho muito interessante de ser pago pela pesquisa. A gente vê muitos editais que são de produção e fica a pergunta: e a pesquisa? Quando a pessoa vai ter tempo de olhar para o seu trabalho com cuidado, com tempo, com engajamento que, às vezes, só o dinheiro permite?. Então, eu acho muito feliz essa conjunção de uma mentoria e de artistas com esse olhar para a descentralização de recursos e o fomento à pesquisa.

Dione Carlos: O Brasil vem sendo devorado de dentro para fora há séculos, por vezes com maior ferocidade. Estamos vivendo um destes momentos. Garantir que a cultura não seja apenas um instrumento de condicionamento calcado em uma narrativa única, mas um espaço de partilha de manifestações artísticas e saberes múltiplos é nosso dever. Em um país cujo direito à cidadania é atacado a todo momento, cabe, também à cultura constituir-se enquanto um espaço formador de cidadania e respeito à liberdade de expressão.

Gil Amâncio: Para nós, que vivemos do fazer artístico, esse tem sido um momento de grande dificuldade para exercer a nossa profissão. O fechamento das casas de espetáculo, bares e eventos que aglomeram pessoas tem sido uma medida importante no combate à pandemia, mas trouxe como consequência a impossibilidade da classe artística trabalhar. Nesse sentido, o edital do LAB Cultural se torna mais importante, pois é um espaço que se abre para que possamos continuar o nosso trabalho de criação, de pesquisadores(as) e educadores(as) do campo das artes.

Ricardo Aleixo: A importância desse projeto no contexto atual, de ausência de perspectivas coletivas e de transformação radical da sociedade, fazendo com que a palavra transformação esteja de novo associada à melhora das condições de vida e não à piora tão drástica como essa que temos tido. É muito importante investir na arte e na cultura, no momento em que a arte, a cultura e a ciência têm sido atacados. E não se pense que estou falando aqui de uma arte engajada, de uma arte política. Estou falando de processo técnico formais, sem os quais a arte e nada são a mesma coisa.

  • O programa LAB Cultural contempla multiáreas artísticas. Qual a importância destas áreas estarem interligadas entre a tutoria do projeto?

Aline Motta: Nos meus processos artísticos, eu vejo todas as áreas interligadas. Talvez, por trabalhar muito com audiovisual, a gente tem essas dimensões da imagem e do som muito integrados. Com isso também vem a palavra, a literatura e também vem a música, além de todo um olhar para a fotografia, para as artes visuais. Eu trabalho já de forma integrada com todas as áreas e eu acho que isso faz muito sentido. A gente sabe das dimensões artísticas possíveis e a interação entre essas diferentes áreas, e a potência que isso traz. Quando elas realmente estão integradas, quando o trabalho de um pode no trabalho do outro, como você pode desenvolver capacidades que, às vezes, você acha que você não tinha. Às vezes, numa criação de uma trilha sonora, de uma paisagem sonora para o seu vídeo, cajo você seja fotógrafo. Eu vejo essa integração como um uma dimensão muito feliz desse projeto. Porque, como falei anteriormente, é um ato realmente de generosidade de poder expressar o que você aprendeu e eu posso expressar o que eu aprendi com o meu trabalho. Eu posso falar sobre isso. E falando sobre isso, além, desse gesto em direção aos outros artistas participantes, ele retorna também pra mim potencializado. É uma honra participar de um projeto como esse e eu estou muito animada para conhecer mais e poder interagir e trocar cada vez mais.

Dione Carlos: O diálogo entre artistas de diferentes linguagens permite uma partilha a partir de múltiplos saberes, o que só pode enriquecer as criações. Todas as áreas comunicam-se em alguma medida, inspirando-se em criações de outras linguagens para erguer suas próprias estruturas.  Acredito que será um benefício imensurável reunir artistas de áreas distintas, promovendo uma ampliação de percepção importante entre eles e elas e nós, também, que estamos na tutoria.

Gil Amâncio: Eu sou um artista que não consegue pensar a arte como prática de campos isolados. Uma criança canta, toca, dança, desenha, constrói brinquedos e engenhocas tudo ao mesmo tempo. Somos seres que nascemos com habilidades múltiplas e inseparáveis. Uma criança quando brinca, sua ação é cheia de sons, movimentos, teatralidade e de invenção de novas tecnologias. E para mim, habitar um espaço onde vou encontrar pessoas de diferentes áreas para trabalhar juntos, é maravilhoso!

Ricardo Aleixo: Para ser sincero, eu já nem lido mais, há muitos anos, com a ideia de áreas artísticas. Eu trabalho, seja enquanto artista, seja enquanto pesquisador, com a premissa de que cada campo sígnico já contém também uma infraestrutura que permite as trocas entre os diversos campos que preferimos lidar ainda com essa ideia de setorização, que pra quem não faz sentido nenhum mais. O que eu quero dizer é que é possível migrar formas e procedimentos técnicos daquilo que a gente ainda chama de ‘áreas’ ou ‘campos artísticos’ a partir de procedimentos que tanto remetem para o presente da arte, quanto para hipótese de futuro, quanto estão ligados à origem do que a gente chama hoje de arte. Isso que parece tão novo, é tão antigo quanto a humanidade. São tecnologias que foram sendo desenvolvidas coextensivamente, ou seja, nós aprendemos tudo que fazemos com os nossos corpos, as nossas vozes e a relação de corpos e vozes com o espaço, nós aprendemos simultaneamente. Nossos antepassados não fizeram uma coisa, e depois outra coisa e depois uma terceira coisa e uma quarta… Nós aprendemos a ser simultaneamente múltiplos, a desenvolver o máximo de processos ao mesmo tempo. Enxergo com máxima naturalidade essa iniciativa, decisão e diretriz do LAB Cultural de promover a convergência entre as pessoas convidadas para a tutoria e as áreas a partir das quais elas produzem suas reflexões, desenvolvem suas pesquisas e criam suas linguagens.

 
Sobre a tutoria

  • Aline Motta
    Nasceu em Niterói (RJ), vive e trabalha em São Paulo. É bacharel em Comunicação Social pela UFRJ e pós-graduada em Cinema pela The New School University (NY). Combina diferentes técnicas e práticas artísticas, mesclando fotografia, vídeo, instalação, performance, arte sonora, colagem, impressos e materiais têxteis. Sua investigação busca revelar outras corporalidades, criar sentido, ressignificar memórias e elaborar outras formas de existência. Foi contemplada com o Programa Rumos Itaú Cultural 2015/2016, com a Bolsa ZUM de Fotografia do Instituto Moreira Salles 2018 e com 7º Prêmio Indústria Nacional Marcantonio Vilaça 2019. Recentemente participou de exposições importantes como “Histórias Feministas, artistas depois de 2000” – MASP, “Histórias Afro-Atlânticas” – MASP/Tomie Ohtake. Abriu sua exposição individual “Aline Motta: memória, viagem e água” no MAR/Museu de Arte do Rio em 2020.

 

  • Dione Carlos
    Dramaturga, roteirista e atriz. Formada em dramaturgia pela SP Escola de Teatro. Cursou Jornalismo na Universidade Metodista de São Paulo. Atua como dramaturga em parceria com cias de teatro. Participou do Laboratório de Narrativas Negras e Indígenas da FLUP/Globo, em 2020. Possui quinze textos encenados. Foi orientadora artística do Núcleo de Dramaturgia da Escola Livre de Santo André.Responsável por diversas curadorias nacionais e internacionais em festivais de Artes Cênicas. Foi convidada pela Embaixada do Brasil na Grécia para representar o Brasil no Dia Internacional da Língua Portuguesa, tendo palestrado no Museu da Ácropole em Atenas, em maio de 2019. Lançou seu primeiro livro em 2017: Dramaturgias do Front, com três peças, além de integrar as coletâneas Dramaturgia negra, Maratona de Dramaturgia, Tempos Impuros, Nenhum álbum e Negras Insurgências. Acaba de publicar “Black Brecht – E se Brech fosse negro?”, pela editora Glac. Atualmente, dedica-se à montagem de uma peça de teatro e de um roteiro de série para TV.

 

  • Gil Amâncio
    Natural de Belo Horizonte, o artista multimídia conta com um percurso singular, tendo iniciado sua carreira artística em 1976 como ator e músico, estudou dança e começou a trabalhar como preparador corporal para espetáculos de teatro e a compor trilhas sonoras para espetáculos. Sua paixão pela dança e a música o levou em 1997 a criar junto com Rui Moreira e Guda a Cia SeráQue? Faz parte do Coletivo Black Horizonte onde desenvolve projetos de dança negra contemporânea. É coordenador do NEGA – Núcleo Experimental de Arte Negra e Tecnologia em que investiga as relações entre corpografia e musicalidade nas danças negras contemporâneas e o uso das tecnologias digitais de áudio e imagem nos processos de composição coreográficos. É um dos idealizadores do FAN (Festival de Arte Negra) em 1995, considerado um dos eventos mais importantes sobre produção artística de cultura negra fora do continente africano. Atualmente atua como músico e produtor musical.

 

  • Ricardo Aleixo
    É artista-pesquisador intermídia, ensaísta e editor. Suas obras mesclam poesia, artes visuais, vídeo, dança, performance, música e design sonoro. Já se apresentou em países como Alemanha, Argentina, Portugal, México, Espanha, França, EUA e Suíça. Desenvolve seus projetos de pesquisa, criação e formação no LIRA/Laboratório Interartes Ricardo Aleixo e no KORA / Kombo Roda Afrotópica, situados no bairro Campo Alegre, periferia de Belo Horizonte.