Expectativas e coletividade em alta: o programa URBE URGE começou!
10 Jun 2021 |

Expectativas e coletividade em alta: o programa URBE URGE começou!

Conheça a história dos seis coletivos aprovados no programa de fomento a projetos de arquitetura, urbanismo e design, em resposta à emergência climática.

Teresa Cristina
10 Jun 2021 7 Min

Os coletivos selecionados no edital URBE URGE, do BDMG Cultural, em parceria com o grupo de pesquisa Cosmopólis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se encontraram pela primeira vez na conversa de abertura do programa, no dia 02 de junho, quarta-feira. Durante as últimas semanas, os e as integrantes receberam o comunicado da aprovação pela equipe do BDMG Cultural. Simpatia e gentileza do lado de cá. Alegria e satisfação do lado de lá. Essa é a descrição que foi ecoada entre a maioria sobre a notícia da seleção.

Os projetos aprovados refletem a diversidade das muitas áreas que se encontram no programa, bem como a variedade de histórias, localidades e vozes que compõem os coletivos. Algumas propostas derivam de trabalhos e projetos anteriores que já promoviam respostas à emergência climática localmente, valorizando saberes e lideranças comunitárias. 

De outras vidas

É o caso do projeto Lixo em Pauta, encabeçado por Julio Cesar Evaristo de Souza, Thomás Bastos Lóes e Júnia Martins de Morais. Julio Fessô, como é conhecido pela comunidade – apelido que se origina da sua forte atuação como educador e líder comunitário na região do Morro do Papagaio, em Belo Horizonte – é criador do movimento Eu Amo a Minha Quebrada (#EAMQ), do qual Thomás e Júnia também fazem parte. Fessô é, ainda, presidente da associação de moradores locais, posição que ele ocupa justamente por sua luta por um descarte e tratamento correto do lixo na comunidade. O projeto vai monitorar e mapear o acúmulo irregular de lixo no Morro do Papagaio e suas consequências, como o foco de doenças e emissão de gases de efeito estufa, com o intuito de movimentar dados para embasar soluções. As expectativas com o programa são, então, de multiplicação de conhecimento e de aplicação dos dados desenvolvidos na pesquisa em retornos positivos para a “quebrada”.

Outro projeto que também nasce de trabalhos anteriores versa sobre o desenvolvimento de uma tecnologia para a produção de telhas ecológicas de bambu, no distrito de Ravena, em Sabará/MG. A planta é parte do trabalho de vida de Geraldo Lúcio Alves da Silva, ou Lúcio Ventania, no Centro de Referência do Bambu e das Tecnologias Sociais, em Ravena. E é essa pesquisa que apresenta,  em um evento universitário, a arquiteta Deborah Augusta do Amaral e Castro e a designer de interiores Raquel Mattiello da Rocha Magalhães ao mestre bambuzeiro. 

Dessa amizade, surge o projeto que pretende, também, articular uma formação sociocultural e econômica para a população menos favorecida do distrito. “Nossa expectativa é despertar interesse, promovendo a comunidade como protagonista de uma nova arquitetura”, diz Lúcio. O mestre bambuzeiro destaca o recorte racial e de gênero do projeto: os telhados ecológicos de bambu serão construídos na periferia de Ravena com casas chefiadas, em sua maioria, por mulheres negras.  

O público feminino é abarcado, também, no projeto selecionado “Mulheres-Sementes: juntando saberes e sabores tradicionais através do Atlântico” de Ângela Guerra Monteiro, Gabriela Rezende Ferreira e Gisseila Andrea Ferreira Garcia.  Compartilhamento e encontro entre dois territórios geograficamente distintos, mas confluentes em suas histórias e práticas: de um lado agricultoras assentadas do Movimento Sem Terra (MST) em Minas Gerais; do outro mulheres cabo-verdianas que cultivam hortas nas zonas rurais da Ilha do Fogo. Essa é a proposta base do projeto, que também deriva de iniciativas anteriores das integrantes. Gabriela como assessora rural em assentamentos do MST, Gisseila como doutoranda em saúde pública e coordenadora do Projeto Horta Nha Kaza e do Comitê Científico do Movimento Eco-feminismo de Cabo Verde – seu país de origem – e Ângela com sua atuação em permacultura, agroecologia e agricultura urbana. 

As três já se conheciam antes do programa e se transformaram em coletivo pelos interesses em comum. Ângela se aproximou de Gisseila porque queria aprender um uso culinário para o feijão pedra, muito usado na prática agroecológica brasileira, mas pouco consumido na cozinha. Gisseila a ensina a preparar a catxupa, um prato caboverdiano com a leguminosa e, desse encontro, iniciam uma parceria. É a doutoranda, inclusive, que reúne as três pelos trabalhos similares. “Do feijão à receita, da cidade ao Atlântico, somos também sementes nesse projeto”, resume Gabriela.

Seguindo a mesma linha, outro projeto que nasce de uma relação antiga é o de autoria do doutorando em arquitetura e urbanismo Thiago Barbosa de Campos (Tito), da moradora e professora na Terra Indígena Xakriabá Maria José Moreira Alkmim (Zeza) e da agrônoma e doutora em educação Rebeca Cássia de Andrade. O coletivo se formou a partir da interação iniciada em atividades ligadas à pesquisa e extensão, envolvendo a UFMG e o povo Xakriabá. Juntas, vão desenvolver um mapeamento colaborativo das práticas do Coletivo dos Agricultores e Agricultoras Familiares Indígenas Xakriabá, o ROMZÂ, sistematizando e visibilizando práticas agrícolas. “Esperamos contribuir para sua ampliação, em especial no que diz respeito à superação da escassez de água, agravada nos últimos anos”, explicam.

Saberes tradicionais e tecnologias ancestrais serão visibilizados por mais um coletivo no URBE URGE. O projeto em questão emerge de uma movimentação da Assessoria Comunitária de Santa  Tereza, organização que atua na mobilização, sensibilização e articulação entre diversos grupos sociais e culturais do Bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte e da ASF Brasil – Associação Arquitetos Sem Fronteiras. A demanda dizia do estudo e elaboração de um dossiê para registro do Kilombo Família Souza enquanto bem cultural e material da capital mineira, coordenado pela Patrícia Aparecida de Brito, uma das integrantes do coletivo selecionado. Esse trabalho também estava sendo acompanhado por Daniel Henrique de Menezes Dias, arquiteto urbanista e membro da ASF, que soma ao grupo de trabalho no programa. 

Dessa aproximação com o quilombo, surge a ideia de submeter uma proposta de agroecologia urbana no território ancestral. É aí que Gláucia Cristine Martins de Araujo Vieira, liderança quilombola responsável pela mobilização no Kilombo Família Souza, fecha a composição do coletivo. A ideia, em resumo, é resgatar a prática do plantio, cuidado com a terra e gestão da água no quilombo, a partir do estabelecimento de uma Unidade Produtiva, em parceria, sobretudo, com o Centro de Referência em Segurança Alimentar – CERESAN-MPL. De acordo com Daniel, em contexto de desesperança, esse projeto pode servir como um dos instrumentos possíveis de manutenção da identidade quilombola. “Estamos com as melhores expectativas. Esperamos que essa proposta possa ser replicada também em outras comunidades”, comenta.

Novos começos

Inspirado em ‘Walden’ (1854) , o clássico da literatura de não-ficção britânica e autobiografia do escritor Henry David Thoreau, o projeto “Vida por m³”, por sua vez, nasce do URBE URGE. O coletivo criador é formado pelo arquiteto Eduardo Campos Moreira, pelo designer Vitor Marcos Aguiar de Moura e o agrônomo Fernando Godoy Ferrari. O projeto já era uma ideia que existia na cabeça de Eduardo, mas que só é estruturada materialmente no programa. Vitor era amigo de Eduardo e Fernando, que não se conheciam antes. Os três se encontraram virtualmente durante o período de inscrição e desenvolveram a proposta do projeto juntos.

A ideia consiste no desenvolvimento de um sistema que propõe re-desenhar e re-dimensionar o uso dos recursos naturais no nosso dia a dia, em um apartamento no centro de Belo Horizonte. O modelo será composto de subsistemas que potencializariam os metros cúbicos de uma moradia urbana, utilizando seu volume como um laboratório de redimensionamento, reutilização e redirecionamento dos recursos disponíveis, de forma similar a que Henry viveu nas proximidades do Lago Walden – experiência narrada no livro. “Queremos buscar, dentro de uma situação limite, utilizando tecnologias já existentes e trazendo novos modelos, fazer com que o ambiente seja autosustentável”, descreve Fernando.

A seguir

Os coletivos, cada um à sua forma, já estão trabalhando no desenvolvimento da pesquisa. No encontro de abertura, juntamente com o Cosmopólis, os grupos estruturam direcionamentos e primeiros passos. No próximo dia 16 de junho, quarta-feira, às 14h30, o processo de interlocução vai ser iniciado com a presença ilustre de Jerá Guarani, liderança na terra indígena Tenonde Porã, em live pública no canal do Youtube do BDMG Cultural. Em seguida, os e as integrantes terão a oportunidade de um encontro particular com a agricultora e pedagoga para tratar sobre os projetos.