Prêmio BDMG Instrumental – 20 anos
Marcela Nunes no 19º Prêmio BDMG Instrumental. Banda formada por Luísa Mitre, Camila Rocha e Paulo Fróis. Foto: Élcio Paraíso/Bendita Comunicação
21 Jul 2021 |

Prêmio BDMG Instrumental – 20 anos

A música instrumental mineira no século 21

Daniel Barbosa
21 Jul 2021 9 Min

Uma das mais férteis e tradicionais expressões artísticas de Minas Gerais, a música instrumental expandiu suas fronteiras e ampliou seu alcance de forma notável a partir dos anos 2000. Não há como falar desse crescimento sem ressaltar a importância do Prêmio BDMG Instrumental, que em 2021 completa duas décadas de existência e estímulo aos artistas locais.

Iniciativa que reflete e potencializa todas as ações em torno da música instrumental mineira neste início de século, o BDMG Instrumental acompanhou o surgimento de novos artistas, as renovadas realizações dos veteranos, as tendências estilísticas, a abertura de novos espaços para apresentações, o aumento do interesse em torno do gênero e, em suma, o fortalecimento da cena. 

Vencedor da edição 2021 do Prêmio Marco Antônio Araújo, que destaca o melhor álbum instrumental gravado no ano anterior, o jovem arranjador, compositor e pianista Deangelo Silva, que também foi um dos vencedores do BDMG Instrumental em 2017, é categórico ao dizer que foi através da premiação que ele iniciou sua carreira autoral. Assim como Deangelo, diversos outros músicos que participaram ao longo das 19 edições realizadas até aqui viram sua carreira decolar ou deslanchar graças ao prêmio. Desde suas primeiras edições, quando figuraram entre os vencedores nomes como Celso Moreira, Enéias Xavier, Cléber Alves, Ezequiel Lima, André “Limão” Queiroz e Weber Lopes (alguns deles passaram, posteriormente, a compor as comissões julgadoras), o BDMG Instrumental projetou e deu visibilidade para artistas como Rafael Martini, Lucas Telles, Alexandre Andrés e Rafael Macedo – todos vencedores em mais de uma ocasião.

Confira a performance de Rafael Martini

Ao mesmo tempo em que esse carrossel de novos e antigos talentos do Estado orbitava o BDMG Instrumental, Belo Horizonte assistia, entre meados da primeira década deste século e o início da segunda, ao surgimento e consolidação do circuito de cafés da região da Savassi que abriam espaço para apresentações de jazz. Status, Travessa e Café com Letras, entre outros, integravam esse rol. BH testemunhava também a proliferação dos festivais de jazz e de eventos pontuais dedicados ao gênero. Célebres redutos da música instrumental, como o Conservatório Music Bar e A Casa de Cultura, disputavam atenção na noite da capital. Ao mesmo tempo, as rodas de choro, já consagradas em espaços como o Pedacinhos do Céu, no bairro Caiçara, o Bar Vila Rica, no Padre Eustáquio, e o bar do Salomão, na Serra, se alastravam, de modo informal e despretensioso, por diversos outros bares e centros multiculturais da cidade. Desses encontros, surgiram vários grupos, como Corta Jaca, Siricotico e Assanhado Quarteto, que, lançando seus respectivos álbuns, engrossaram o caldo do gênero em Belo Horizonte.

Para muito além do choro ou do jazz, o BDMG Instrumental, ao longo de sua história, abriu um leque estilístico matizado, sempre atento a toda a diversidade possível da música instrumental. E foi palco de momentos muito representativos não apenas do que acontecia no âmbito da música instrumental em Minas Gerais, mas do que se passava num contexto muito mais amplo.

A trajetória do BDMG Instrumental

Em termos de estrutura e conceito, o Prêmio BDMG Instrumental registrou poucas mudanças ao longo desses 20 anos. Desde a primeira edição, em 2001, uma equipe curatorial, formada por três músicos convidados, escuta e avalia todos os trabalhos, enviados por meio de edital, com o objetivo de escolher 12 finalistas. Posteriormente, esses 12 eleitos se apresentam, em shows abertos ao público, para uma comissão julgadora formada por outros convidados, entre músicos e jornalistas. Cada candidato leva ao palco duas composições próprias e um arranjo. São seis candidatos que mostram seu trabalho em uma noite e outros seis na noite seguinte, quando, após os shows, o júri se reúne para, entre os 12 concorrentes, escolher os seis que vão para a finalíssima – uma terceira noite de apresentações, também abertas ao público, em que são apontados os quatro vencedores da edição. Além do prêmio em dinheiro, eles ganham a produção de dois shows, em Belo Horizonte e em São Paulo, por meio de uma parceria com o Sesc SP. O programa Instrumental Sesc Brasil, na capital paulista, que abriga os vencedores do prêmio, é também gravado pelo Sesc TV e transmitido ao vivo, via internet.

A composição, o arranjo, a execução e a performance são alguns dos fatores avaliados pela comissão julgadora, que, nos primórdios da premiação, era formada basicamente por jornalistas da área da cultura e críticos musicais. Com o passar dos anos, mais músicos passaram a ser convidados para integrar o júri do BDMG Instrumental – artistas de renome que conferiram uma preciosa chancela aos trabalhos vencedores e cuja presença na premiação possibilitou um ambiente de diálogo e parceria com os concorrentes. Toninho Horta, Nelson Ayres, Guinga, Danilo Caymmi, Gilson Peranzetta, Carlos Malta, Chico Amaral, Paulo Bellinati, Wagner Tiso, Cristóvão Bastos, Léa Freire, Paulo Santos, Vittor Santos, Rodolfo Stroeter, Zé Paulo Becker, Marco Pereira, Amilton Godoy e André Mehmari são alguns dos muitos expoentes que já dedicaram ao prêmio sua apreciação como jurados.

Esses nomes também contribuíram, naturalmente, para reverberar a importância do Prêmio BDMG Instrumental por todo o país, na medida em que, após participarem, levaram na bagagem suas impressões sobre o que viram e ouviram. O compositor, arranjador e pianista Amilton Godoy, que integrou o lendário Zimbo Trio, foi presidente da comissão julgadora em 2017.

Sobre Deangelo Silva, principal vencedor daquela edição (além de estar entre os quatro selecionados, ganhou por melhor arranjo e como melhor instrumentista), Godoy espalhou aos quatro ventos sua opinião sobre o artista: “Creio que estamos diante de um dos maiores talentos do nosso tempo. Deangelo tem todos os requisitos necessários para se tornar um dos maiores pianistas do mundo”. Tal declaração dá a dimensão de como o Prêmio BDMG Instrumental e seus participantes reverberam por meio de vozes que têm autoridade no assunto.

Confira a performance de Deangelo Silva

Ao longo de seu percurso, o BDMG Instrumental passou a contemplar, além dos quatro vencedores de cada edição, os dois melhores instrumentistas, escolhidos entre todas as formações que passam pelo palco. Conceitualmente ligado ao BDMG Instrumental, o Prêmio Marco Antônio Araújo foi criado em 2013 com o objetivo de reconhecer os álbuns de música instrumental produzidos no ano anterior à premiação. A cada edição é escolhido o trabalho de um determinado artista da cena, que recebe premiação no valor R$ 10 mil e se apresenta na finalíssima do Prêmio BDMG Instrumental, em um pocket show com o repertório do álbum consagrado.

Um olhar de dentro 

Integrei, como jornalista da área cultural, a comissão julgadora do Prêmio BDMG Instrumental entre 2016 e 2019. Quero deixar aqui um relato pessoal e o olhar de quem vê dos bastidores a premiação. Poderia falar de qualquer uma das quatro edições de que participei, já que em termos de forma e conteúdo elas se equivalem. A primeira noite de apresentações dos finalistas é de expectativa e descoberta. Assisto às performances dos seis concorrentes, meço o que vejo e ouço comparando uns com os outros. A segunda noite é diferente justamente porque, na avaliação dos seis novos concorrentes, tem-se como parâmetros as seis apresentações da noite anterior. O que acontece, ao final da primeira noite, é que os jurados descem às coxias do Teatro Sesiminas – palco que tradicionalmente abriga a premiação – e trocam impressões sobre os concorrentes. É quando os integrantes da comissão se conhecem pessoalmente.

Eu poderia, como disse, escolher qualquer uma das quatro edições, mas elejo a de 2018, pelo caráter emblemático que teve. Naquele ano, além de mim, compunham o júri os músicos André “Limão” Queiroz, Alieksey Vianna, Arismar do Espirito Santo, Eduardo Neves, Paulo Braga e Marco Pereira, que foi o presidente da comissão; o gerente de ação cultural do Sesc SP, Henrique Rubim, a técnica de programação de música do Sesc Vila Mariana, Priscila Rahal, e os jornalistas Paulo Henrique Silva e Mariana Peixoto. Os músicos vencedores foram Davi Fonseca, João Machala, Matheus Barbosa e Luísa Mitre – única artista entre os quatro eleita por unanimidade e também ganhadora do prêmio de melhor arranjo (para “Corrupião”, de Edu Lobo). A formação que acompanhou Luísa, predominantemente feminina, projetou os dois melhores instrumentistas, ou, no caso, as duas melhores: a vibrafonista Natália Mitre, sua irmã, e a baixista Camila Rocha.

Confira a performance de Luísa Mitre

Esses prêmios resultaram de uma apresentação arrebatadora. E foi especialmente marcante porque, em toda história do prêmio, apenas uma mulher figurava entre os vencedores: Daniella Rennó, em 2009. Luísa era a segunda a conquistar esse espaço, e num momento em que movimentos feministas como Me Too e o Time’s Up reverberavam com força. “Pode-se relacionar uma coisa à outra?”, foi o que nós jurados, reunidos após as apresentações da finalíssima, quando decidiríamos os vencedores, nos perguntamos. “Estamos votando de forma unânime em mulher e premiando outras duas como melhores instrumentistas porque o momento é de empoderamento feminino?”. A resposta foi “não”. Aquela comissão julgadora entendeu que no BDMG Instrumental o desempenho é que deve ser levando em consideração, a qualidade das obras autorais e do arranjo. Mas não deixou de ser uma vitória representativa na medida em que, naquele momento, Luísa ampliava o espaço da presença feminina na premiação. No ano seguinte, a flautista Marcela Nunes foi uma das premiadas na 19ª edição.


Confira a performance de Marcela Nunes

Em todas as outras edições de que participei como jurado o clima nos bastidores é muito mais de confraternização do que de disputa. Antes e depois de subirem ao palco para mostrar seu trabalho, os músicos concorrentes circulam pelos corredores conversando animadamente, trocando informações e impressões. Toda a equipe técnica da premiação, assim como o júri, observa e participa dessa movimentação, interagindo. Distante do acirramento competitivo que se via nos festivais da canção nos anos 70, o Prêmio BDMG Instrumental é, na verdade, uma grande celebração da música e de seus agentes em Minas Gerais. Este é o lastro que nos permite projetar outras duas décadas ou mais de êxito dessa iniciativa tão querida por todos com ela envolvidos.


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Acompanhe

A finalíssima do 20º Prêmio BDMG Instrumental, que ocorre entre os dias 23 e 25 de julho, no Youtube/BDMGCultural. Confira a programação das apresentações aqui