Escritora ouro-pretana lança “De primeiro, na Rua Nova”
Publicação conta histórias de moradores de Ouro Preto a partir da segunda metade do século 20
Com apoio do BDMG Cultural, Maria das Mercês Paiva inaugura sua carreira de publicações literárias aos 83 anos com o livro “De primeiro, na Rua Nova”, lançado e publicado em novembro de 2020, pela Editora Liberdade. A obra reúne uma série de crônicas memorialísticas, focando a primeira metade do século 20, em Ouro Preto (MG).
As histórias reais que se traduzem pelas palavras de Das Mercês para as páginas de “De primeiro, na Rua Nova” são de propriedade intelectual da autora, mas de domínio das ruas e de moradores outros da cidade. É que da janela lateral de uma casa setecentista, que Maria viveu com sua família na Rua Nova em Ouro Preto, ela viu se desenrolar e escutou de vizinhos e/ou amigos narrativas que renderiam um livro. E, bom, assim o foi. “É uma sensação de encontro com os meus. São histórias que eu vivi, vi acontecer ou que me contaram”, resume Maria das Mercês sobre a publicação do livro e a obra em si. A autora afirma que a série de crônicas são memórias afetivas dela, Maria, mas também de toda a cidade de Ouro Preto, a protagonista. Parte disso é assinalado no próprio título da publicação: “De primeiro” marca um tempo pelo qual as 185 páginas do livro atravessam, um tempo anterior, antigo, resgatado de outro século.
“Volta e meia, ouvíamos pessoas dizendo, no convívio da Rua Nova:
– ‘De primeiro’, não era assim!
– ‘De primeiro’, havia mais respeito!
– ‘De primeiro’, não acontecia isso!Enfim, que ordem era essa? Haveria de segundo, de terceiro, etc?
Um dia, a compreensão se fez. De primeiro não era o início de uma sucessão. De primeiro era somente uma expressão que se referia a tempos idos e vividos. Tempos passados, antigos. Não só idos, mas saudosos, pelo jeito como falavam”. Maria das Mercês em trecho do livro.
É o primeiro livro que publica, mas já escrevia há algumas décadas. “Quem lê muito, uma hora acaba escrevendo”, diz. Maria foi também professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino de Ouro Preto por 25 anos, aposentada há cerca de 20. Na sua juventude, também escrevia crônicas e histórias curiosas — como ela mesmo define — para finados jornais impressos, locais e da capital mineira Belo Horizonte. Para ela, a obra se fecha como uma leitura gostosa e emotiva, acerca de uma cidade e de personagens inspiradores, que ganharam vida graças ao apoio do BDMG Cultural. O instituto financiou a impressão, a revisão, o projeto e a arte gráfica, entre outras etapas importantes para a realização da publicação.
O passatempo era a conversa: a escrita do eu
“Antigamente conversávamos muito mais, não tinha TV em casa, por exemplo. O passatempo era a conversa”, diz Maria das Mercês, com nostalgia.
É dessas trocas, principalmente, que se materializa sua obra. O livro enquadra-se na literatura contemporânea, conhecida como escrita do eu. Uma primeira pessoa assume, além da subjetividade narrativa, a expressão de vozes coletivas que vivenciaram ou souberam, por outras fontes de vivência, a experiência do passado, explica a autora.
A Editora Liberdade, que concretiza a publicação, é especializada em textos sobre cultura e sociedade em Ouro Preto. “De Primeiro, na Rua Nova” soma-se a outros títulos de temática semelhante, que têm o propósito de contribuir para a série ouro-pretana inaugurada em 2011, que lança inéditos e reedição de obras raras sobre Outro Preto, comemorando a fundação da imprensa periódica com o primeiro jornal, o Compilador Mineiro, em 1823.
Desse modo, segundo a autora, “o livro procura seguir a tradição de outros escritores ouro-pretanos, mestres da língua, que escreveram a crônica de Ouro Preto, fundada em temas grandiosos e temas prosaicos da história da cidade”, diz — como Afonso Arinos, Brito Machado, Gilberto Alencar, Flamínio Corso, Hermínio Barbosa, Eponina Ruas, entre outros, e de editores notáveis, como Henrique Malta. O interesse de todos, diferenciados os tempos dos escritos, é manter viva a cultura urbana e letrada desse sítio, que é evocado como o espaço e a própria personagem dos relatos, a cidade de Ouro Preto.