“A leitura é o ponto de chegada”: conheça o DARCYRIBEIRINHAS
Projeto de bibliotecagem e de incentivo à cultura na região norte de Belo Horizonte espera, com o fim da pandemia, finalizar a construção de seu primeiro espaço físico
Em 2022, celebra-se o centenário de Darcy Ribeiro, um dos grandes nomes da educação do Brasil. Natural de Montes Claros, o antropólogo e educador dedicou parte de sua vida em defesa da escola pública e de um sistema de ensino que revertesse as desigualdades sociais existentes. Sua atuação saiu dos papéis e das ideias, sendo ministro da Educação e chefe da Casa Civil, entre 1962 e 1964; vice-governador do Rio de Janeiro de 1983 a 1987, assim como secretário de Estado da Cultura e coordenador do Programa Especial de Educação; além de ter fundado a Universidade de Brasília, onde foi o primeiro reitor, e criador da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; bem como criou universidades pela América Latina e África, durante o exílio.
É Darcy Ribeiro que nomeia o prédio que hoje é sede do BDMG Cultural. Em 2018, o edifício recebeu o nome do antropólogo como uma forma de lembrar seu legado. E a memória do educador também está presente na DARCYRIBERINHAS, projeto de incentivo à leitura no Bairro Céu Azul, em Belo Horizonte, que recebeu a doação de diversos livros do BDMG Cultural nos últimos meses. O projeto também relembra uma outra faceta do pensador brasileiro, de autor de importantes obras literárias, como o ensaio “O Povo Brasileiro” e os romances “Maíra” e “Utopia Selvagem”.
Sua idealização aconteceu quando Fábio Brasileiro, coordenador da Agência Fuá de Quintal, que desenvolve o programa, recebeu um prêmio no início de 2020 por ter integrado a comissão que conduziu a elaboração do primeiro Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas de Belo Horizonte (PMLLLB-BH) como representante da sociedade civil no conselho de cultura da cidade. Com a pandemia, o prêmio foi direcionado para a criação de um curso virtual sobre arte e cultura modernista. Em cinco episódios do curso, participaram mais de 50 artistas e intelectuais que debateram sobre temas modernistas e das políticas de livro e leituras inseridas no PMLLLB-BH.
Dessa necessidade de popularizar e fomentar a cidadania pelos livros e bibliotecas, nasceu a DARCYRIBEIRINHAS, uma ação que também visa a bibliotecagem comunitária, de compartilhamento do prazer da leitura. “A Fuá de Quintal habita uma geografia onde há muitas vulnerabilidades sociais, de periferia metropolitana, e é comum até mesmo pessoas em situação de rua nos demandarem acesso ao livro e à leitura”, explica.
É Darcy e é Ribeirinhas
A Fuá de Quintal está localizada no bairro Céu Azul, na região da Pampulha/Venda Nova, em Belo Horizonte. Com uma história que remonta ao século XIX, a população atual do bairro é de aproximadamente 50 mil pessoas, sendo um dos mais populosos da capital mineira. Porém, não existem bibliotecas comunitárias de uso geral da população, em especial para quem não tem acesso às bibliotecas escolares.
“Com a abertura do espaço, daremos acesso aos livros a quem não pode obter por outros caminhos”, comenta Fábio.
Mesmo com esse crescimento e com uma alta valorização nos anos recentes, a região ainda preserva rios, que, embora em precárias condições sanitárias, resistem aos processos que os escondem debaixo dos asfaltos. É por isso que, além de Darcy Ribeiro, o nome do projeto remete à população que vive perto das águas fluviais. “O nome também alude às nossas preocupações com reflorestamento, questões ecológicas e de agroecologia, como o plantio de árvores como direito ao verde, e ação de enfrentamento do aquecimento global nos termos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU”, aponta Fábio.
Segundo ele, a visão de cultura da agência está ligada ao cultivo da natureza e da agricultura. Uma outra ação prevê, por exemplo, o plantio de cinco mil mudas de árvores nas próximas chuvas em 2023. A atuação da Fuá de Quintal abrange projetos de base comunitária nas periferias de Belo Horizonte e nos interiores de Minas Gerais, assim como na propagação do patrimônio cultural afrodescendente e da língua portuguesa ao redor do mundo.
Daqui para frente, a intenção é fomentar 100 bibliotecas comunitárias nas regiões periféricas da capital mineira e em cidades do interior do estado. “Como se fossem 100 velinhas acesas para Darcy Ribeiro”, explica Fábio. A primeira deve ser finalizada no final da pandemia e será nomeada como DARCYRIBEIRNHA 000 – ARNALDO, uma homenagem a Arnaldo, um morador em situação de rua, falecido há 5 anos e que viveu durante 17 anos na comunidade, recebendo cuidados e amizade da mãe de Fábio.
São 500 livros doados para o espaço, além DVDs e CDs. As doações estão vindo de amigos, editoras, distribuidoras e diferentes instituições. Entre elas, está o BDMG Cultural. A biblioteca receberá o cineclube Cinetravessia Maria Coeli, projeto de cineclubismo que ocorre de maneira itinerante desde 2019. O espaço também recebeu dezenas de pneus que serão customizados e se tornarão cadeiras. Os planos para a finalização do local envolvem montar e customizar móveis, pintar as paredes e terminar as prateleiras. São maneiras de estruturar o ambiente para que seu funcionamento seja regular e com uma programação anual. Junto a isso, o DARCYRIBEIRINHA 000 – Arnaldo terá um pequeno conselho gestor, formado por amigos e colaboradores do projeto, que auxiliarão na elaboração de regras e na manutenção dos futuros programas.
A conclusão dessa primeira biblioteca é apenas um dos planos da iniciativa. Para 2022, o programa busca adquirir outros 500 livros ao acervo e aprovar a segunda etapa do projeto em edital para ter recursos para promover programações regulares anualmente, como o quadro DARCYRIBEIRINHA EM PROSA, que, desde o ano passado, aborda, por entrevistas, toda a cadeia econômica e cultural em torno do livro, como a leitura e a biblioteca, através de televisão criada pela entidade, a TV Fuá de Quintal, no Youtube.
“A nossa intenção é que as atividades em torno da biblioteca permitam gerar trabalho e renda no seguimento, sobretudo como forma de redistribuição de renda em periferias urbanas”, explica o coordenador. O objetivo é descentralizar as ações de fomento à cultura, o que inclui, também, a formação de artistas, agentes, profissionais que se envolvam com a literatura.
Enquanto a primeira biblioteca está em desenvolvimento, o que se vê é o empenho de seguir com o legado de Darcy Ribeiro, entendendo a educação como um ponto fundamental para as vidas das pessoas. Para isso, Fábio comenta que toda a ajuda de organizações e pessoas é bem-vinda: “Os projetos são autorais e independentes, mantendo-se aberto a todo tipo de colaboração, desde que seja a leitura seu ponto de chegada”.