5. Uma utopia chamada Brasília
Texto Nº 5 de uma série de 6
Em apenas quatro anos, a paisagem erma do centro-oeste brasileiro ganhou ruas largas e edifícios modernos. Mas é sempre bom lembrar: Brasília foi erguida não (apenas) pelo racionalismo arquitetônico de seus engenheiros e urbanistas, mas pelas mãos de milhares de brasileiros. Fotógrafo não identificado. Brasília. 1959. Acervo: Arquivo Nacional
A maior parte desses ímpetos golpistas se deu justamente contra o presidente que melhor encarnou o espírito desenvolvimentista da época: Juscelino Kubitscheck. JK venceu as eleições presidenciais de 1955; e já no ano seguinte põe em marcha o seu “Plano de Metas”, que pretendia fazer o Brasil crescer “50 anos em 5”. De fato, o seu planejamento promoveu um crescimento acelerado da capacidade produtiva do país, ampliou a capacidade de consumo e expandiu a malha rodoviária brasileira de modo incomparável. Mas seu maior feito foi mesmo a construção de Brasília.
A nova capital, como afirmou Juscelino, “nasceu sob o signo da arte”. Brasília, de fato, é inspirada pelo construtivismo, havendo um diálogo direto com a estética concretista, projetando-se como síntese entre estrutura, pragmatismo e o racionalismo em sua arquitetura. Erguida no coração do país, Brasília representou a possibilidade de ascensão do terceiro-mundo; espécie de farol de esperanças para a América Latina. Seu planejamento urbano e prédios moderníssimos, pretendiam materializar as utopias prometidas para o Brasil: um país que sempre mirava um futuro — manifesto agora no presente. Num prazo de apenas (incríveis) quatro anos, em abril de 1960, Brasília era inaugurada.
A experiência da Pampulha em seus tempos de prefeito, associada às novas condições produtivas do país, possibilitaram a materialização de um empreendimento como a nova capital. Isso, e a massa humana deslocada para a execução das obras: os chamados “candangos” — trabalhadores, em geral nordestinos, que migraram para o centro-oeste do país para erguer a cidade. Hoje sabe-se que, devido à falta de segurança nas condições de trabalho, dezenas e dezenas dessas pessoas morreram na construção de da nova capital — uma metáfora mórbida para a outra faceta do desenvolvimentismo: o apagamento de corpos e memórias em prol do progresso material.
Brasília possuía um intenso debate com a percepção estética moderna. Porém, é importante ressaltar que a arte concreta no Brasil significou uma ruptura com o modernismo brasileiro. Isso porque o construtivismo, assim como outras vanguardas europeias, se projeta de maneira universalista — qualquer pessoa visualmente letrada no mundo compreenderia uma pintura concreta —, enquanto o modernismo praticado no Brasil era, a rigor, carregado de um nacionalismo arraigado, mesmo quando crítico.
Esse choque de expressões artísticas não será ameno. Os modernistas clássicos haviam conquistado seu lugar ao sol perante a crítica de artes não havia muito tempo, e logo já pareciam ultrapassados. Muitos artistas da nova geração, que tiveram suas primeiras lições com pintores ou escultores modernistas, acabaram produzindo seus trabalhos mais próximos à proposta construtivista. Foi o caso de Amílcar de Castro, que foi ao Rio de Janeiro, em 1950, para presenciar uma palestra de Max Bill. Um ano antes de vencer a I Bienal de São Paulo, Bill havia feito um tour pela América Latina, divulgando seu projeto estético.
As ideias concretistas, principalmente as que diziam respeito à percepção visual da forma e os elementos matemáticos e artísticos do design irão influenciar Amílcar decisivamente.
Uma obra produzida em 1952, conhecida como Estrela — originalmente, sem título — é fruto direto do contato de Amílcar com a Unidade Tripartida de Max Bill. A escultura, feita da união de três chapas de cobre — a única peça do artista a utilizar esse material —, dobradas em si e fundidas num ponto de encontro, de modo a formar um vão triangular no centro, se assemelha à obra de Bill do ponto de vista “möebiano”: não se sabe onde começa, onde termina, e possui uma aparência diferente à cada ângulo que se olha. Estrela também revela uma questão fundamental no fazer de Amílcar: o espaço — mais especificamente, a presença do vazio no espaço.
Tradicionalmente, a escultura está associada ao volume que a peça ocupa no espaço. Sua presença normalmente se refere ao seu preenchimento sólido. Já aqui, interessa ao artista mineiro harmonizar essa relação: o equilíbrio entre espaços preenchidos e vazados. O gesto de dobrar a matéria, tão característico na produção de Amílcar, já estava presente nesse trabalho e diz sobre essa reflexão. Através da dobra, uma chapa plana se projeta em outra direção, ganha nova dimensão. Já o corte — outro gesto poético marcante da obra de Amílcar — e, mais ainda, a união desses dois gestos simples, viria pouco tempo depois, na mesma década.
Estrela foi selecionada para participar da II Bienal de São Paulo, em 1953. Diante desse reconhecimento internacional — os jurados eram, afinal, de vários países — e findada a Bienal, Amílcar presenteou com a obra seu pai, que andava desgostoso de ver o filho desistir do Direito. Era um gesto para dizer que ele, o filho, estava bem, mesmo que diferente do planejado. Ao que tudo indica, o pai se convenceu.