Não se esqueça de mim aqui
A história da capela construída por e para pessoas negras que a fundação de Belo Horizonte tentou apagar, nas palavras do Padre Mauro Silva
Padre Mauro Luiz da Silva em conversa com Felipe Carnevalli e Paula Lobato
Antes mesmo do Arraial do Curral del Rey se tornar Belo Horizonte, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos construiu uma capela e um cemitério para sua comunidade, no que seria hoje o encontro da Rua da Bahia com a Rua Timbiras, no centro da cidade. A capela foi demolida com a inauguração da nova capital, e essa história – bem como essas pessoas – foi deliberadamente apagada, sob o concreto e o asfalto do progresso. Hoje, o desenrolar das outras versões sobre a história oficial nos faz questionar a predileção pela narrativa dos planejadores da cidade, que, por muito tempo, nos fez acreditar que Belo Horizonte fora construída onde antes, supostamente, não se tinha nada.
Achar o início de uma história é sempre difícil. Na verdade, este é apenas um dos inícios. Assim como meus pais, eu sou nascido em Belo Horizonte, e meus avós vieram do interior para a cidade na década de 1920. Meu pai conta com orgulho que eles se encontraram na Praça da Liberdade quando ela ainda estava em construção: meu avô era carroceiro e o estacionamento de sua carroça ficava nos fundos do Palácio da Liberdade. Já minha avó veio ser trabalhadora doméstica naquelas ruas que cruzam a praça. Ela trabalhou como babá na primeira casa de laje de concreto da cidade.
Em Belo Horizonte, existe a mania de falar que quem é nascido aqui é belo-horizontino da gema, como se fosse algo para se ter orgulho. Mas hoje, com meus 55 anos, tenho a impressão de que nunca pertenci a esta cidade – assim como meu pai, negro, e minha mãe branca, que cuidava de seus filhos pretos fora do centro. Na época em que eu era criança, quando minha mãe precisava fazer algo no centro de Belo Horizonte, ela dizia: “Vou à cidade”. Ela não se referia ao “centro”, mas à “cidade”, um espaço que parecia não nos representar, e ao qual não parecíamos pertencer. Hoje eu sei que isso é verdade, porque as histórias dos meus antepassados, intencionalmente, nunca foram contadas.
Belo Horizonte, assim como grande parte das cidades brasileiras, sempre se desenvolveu por cima das histórias que soterrou. Quando eu fazia minha pesquisa de mestrado, eu já era padre há, pelo menos, vinte anos, e descobri através da pesquisadora Josemeire Alves a história da Capela do Rosário. Essa capela, que não existe mais e da qual eu nunca havia ouvido falar, foi construída por pessoas negras (algumas escravizadas e outras já libertas) no que é hoje o centro da cidade. Tempos depois, mergulhado na minha experiência cristã enquanto homem negro, iniciei meu doutorado sobre essa capela, na tentativa de buscar um alicerce a esse elo perdido.
A Capela do Rosário, construída antes mesmo da inauguração da capital, apareceu em minha vida como um grande presente que abriu meus olhos. Durante a pesquisa, passei a observar as coisas, a mudar meu olhar sobre a cidade e a perder a minha ingenuidade. Comecei a entender que nada acontece por acaso: fui compreendendo que todas as respostas que eu não tinha sobre a minha origem, os meus antepassados e o porquê das histórias deles não serem contadas eram — como ainda são — resultados de um trabalho de apagamento, não apenas da minha história, mas de uma cidade inteira, de um país inteiro, de uma população inteira. Essas histórias são, obviamente, as histórias negras da cidade.
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Fiquei obstinado em saber mais sobre a construção da capela, porque acreditava que se fosse atrás da construção arquitetônica do prédio, eu ouviria falar dos construtores. Depois de muita pesquisa em arquivos e muita colaboração, encontramos a carta da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, de 1807, endereçada a Dom João VI, pedindo autorização para construir um templo para “aí ser a Santíssima Senhora louvada”. Esses documentos já davam uma boa base para começar a contar essa história que ainda não tinha sido contada na cidade, já que, nesse registro, identifiquei grande parte da fundamentação teórica de que eu precisava, que eu queria e que eu imaginava.
Essas pessoas negras da Irmandade estavam aqui no território pelo menos desde o início do século XVIII, uma vez que, no início do século XIX, já estavam organizadas o suficiente para escrever uma carta a Dom João. Mas quando elas chegaram? De onde vieram? Essas respostas nós não temos. Eu fico imaginando essa irmandade vindo a Belo Horizonte, e se deparando com a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, onde eles inicialmente colocam uma imagem de Nossa Senhora do Rosário. A Irmandade começa a se concentrar nesse espaço, reunindo negros escravizados e recém-libertos, até que surge o desejo de se ter um altar para Nossa Senhora.
Imaginem a disputa entre uma irmandade negra e os padres da época, durante um período escravocrata, no trabalho de convencimento para a construção de outra capela junto à Igreja Matriz? Me impressiona a organização dessa comunidade: na carta a Dom João, a Irmandade justifica que construiria a capela sem ônus para a fábrica da Matriz, pois o fariam com recursos próprios. Também foram sábios o suficiente para esclarecer à monarquia que quem dirigiria a instituição seriam homens brancos. Se eu não tenho o direito ao meu próprio corpo escravizado, se eu não mando nem em mim, como eu serei diretor de uma associação? Como eu vou construir uma igreja? Nesse sentido, quem iria dirigir a capela seriam homens brancos. O documento afirma isso e complementa que mulheres e homens pretos poderiam assumir outros cargos na estrutura da Irmandade. Além disso, eles tiveram a inteligência de solicitar que, próximo à capela, tivesse também um cemitério – igualmente construído com recursos próprios.
No fim de 1807, é chegada a autorização para a construção da Capela do Rosário, que foi então edificada, segundo os registros da Comissão Construtora de Belo Horizonte, próxima ao que é hoje o encontro da Rua da Bahia com a Rua Timbiras, podendo se estender até os arredores da Rua dos Guajajaras, em um ponto mais alto do que a Igreja da Matriz da Boa Viagem, bem no centro da cidade. Veja como esse povo preto é ousado: construir uma capela acima da Igreja Matriz, no alto de uma colina, no chamado Largo do Rosário, em terras devolutas da Igreja.
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A capela persiste até 1897, seis anos após a abolição da escravatura, quando a Irmandade é desterrada – provavelmente sem indenização, já que a propriedade era da Igreja Católica – para a futura demolição do edifício e a construção da cidade de Belo Horizonte. A negociação de demolição da capela não é feita com a Irmandade, mas com o bispo. Apesar de os pretos terem sido os construtores da capela, utilizando seus próprios recursos, não eram eles os proprietários do terreno. A autorização de demolição é promulgada sem que ninguém da Irmandade tenha participado da decisão. Há, aí, uma intenção muito clara de apagamento tanto do patrimônio quanto da presença desse povo preto no território onde seria fundada a nova capital de Minas Gerais.
Em 1897, quando Belo Horizonte é inaugurada, já não se falava mais da Irmandade. É como se ela nunca tivesse existido neste lugar onde pisamos hoje. A cidade, em sua plena efervescência de construção, vai inaugurando seus novos edifícios, enquanto o Largo do Rosário (junto com a capela e o cemitério) vai sendo soterrado, abandonado e esquecido. Dizem que a capela foi demolida porque uma nova rua deveria passar por ali.
O que descobrimos recentemente é que trouxeram terra para esse terreno. Se isso for, de fato, comprovado, há possibilidades de que a capela e o cemitério dos homens negros ainda estejam lá embaixo. Talvez tenham aterrado tudo para que as gerações passassem e ninguém soubesse que ali havia um cemitério. Afinal, quem quer morar perto de um cemitério? Quem quer construir sabendo que, ali embaixo, existe gente morta? É muito oportuno deixar que a memória seja soterrada pelos aterros do progresso, como se a cidade tivesse começado do zero, em um lugar sem nada.
Então, o que estou contando aqui são duas histórias diferentes sobre o mesmo espaço? Não, é a mesma história, mas de outro ponto de vista: o daqueles que foram esquecidos. Por isso é tão importante se pensar a narrativa da cidade da perspectiva daqueles que foram silenciados, construir uma história da cidade nas brechas deixadas pelos registros oficiais. É importante recuperar os documentos históricos, mas se perguntando sobre aquilo que não se queria contar – ou o que se queria esconder. Os gestores deste lugar queriam esconder os rios que eles soterraram, queriam esconder aqueles que não foram indenizados, queriam esconder aqueles que fariam perguntas como as que nós fazemos agora.
O não saber – essa inocência proposital – é muito confortável, porque ninguém precisa justificar nada, ninguém precisa reparar nada que foi feito de errado. Parece que, até o momento, isso foi perpetuado de forma muito eficaz, mas eu confio que um dia, como estamos tentando fazer agora, as verdades sobre (e sob) o chão irão vir à tona.
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Não há mais como esconder a relevância de se registrar essas histórias e vestígios como patrimônio cultural da cidade. Já se passou tempo demais. Nós – digo “nós” porque somos muitas pessoas envolvidas nessa pesquisa e nessas descobertas – estamos pleiteando o direito à memória e lutando contra o esquecimento. Esse grupo é formado, basicamente, por pessoas ligadas aos Reinados Negros de Belo Horizonte, que considero importante citar nesse momento: Rainha Isabel Casimira, Pai Ricardo, Mariana Ramos de Morais, Cida Reis, Raphael Barros, Capitã Elizângela, Capitão Geraldo, Wanessa Lott. Formamos um grupo no WhatsApp e discutimos de forma colegiada e democrática as situações mais emergenciais. Lutamos para que uma placa fosse instalada recentemente na Rua da Bahia, com o nome “Capela do Rosário” e a indicação do cemitério, como um registro mínimo dessa história. Nós queremos que as próximas gerações não passem por cima daquele chão sem saber da existência da capela, como eu fiz durante 50 anos.
Minha mãe, que morreu há oito anos, nem sonhava com isso. Ela morreu sem saber dessa história, sem saber o porquê de ela sempre falar “lá na cidade” ao se referir ao centro. Agora eu entendo o que ela estava querendo dizer: “A cidade, aquele lugar que não te pertence, porque você é negro”. Tanto que ela me pedia para deixar o cabelo bem baixinho, ela achava bonito quando eu cortava o cabelo desse jeito. Era, na verdade, uma forma de proteção contra um risco que ela enxergava, contra o risco das pessoas me identificarem como uma dessas pessoas que eles queriam silenciar. Minha mãe nunca me disse isso, mas é algo que, hoje, eu posso imaginar na medida em que eu redescubro esse patrimônio enterrado no asfalto de Belo Horizonte.
Quando se faz uma visita guiada ao Palácio da Liberdade, Dona Maria do Arraial, antiga moradora negra daquele território antes da chegada da cidade, é apresentada como um fantasma, uma feiticeira. Por que sempre está presente essa imaterialidade que não reconhece o meu corpo, que não quer cruzar comigo e não quer conviver comigo, com o meu cheiro, com o meu cabelo, com o meu nariz? Que me quer no quarto de empregada, me quer na senzala, servindo sem ser visto – que é a ideia do projeto do Palácio da Liberdade de entrar às escondidas? Entrar, colocar a bandeja na mesa dos senhores e se esconder novamente no corredor. Você passa naqueles corredores laterais para poder trazer a bandeja e voltar a desaparecer da reunião. Esta cidade quer isso. Esta cidade me quer, no máximo, deitado no chão, com um cobertorzinho de São Vicente, debaixo das pontes pedindo esmola, ou sobre o asfalto, com o meu corpo fuzilado, sangrando no chão. Esta cidade não quer a gestão de alguém como eu construindo um templo, administrando um cemitério, experimentando outros modos de viver no centro, diferentes daqueles trazidos pelos colonizadores europeus.
A cidade não quer reconhecer que nós, povo preto, também temos nosso patrimônio material em seu centro. Não é só porque somos descendentes de um povo desterritorializado que nosso patrimônio seja apenas imaterial. A pesquisadora Nila Rodrigues, minha amiga pessoal, fala justamente sobre isso: “Onde inventaram essa história de imaterial?”. Quando descobrirmos exatamente onde a Capela do Rosário ficava e fizermos o primeiro levantamento arqueológico, o que vamos achar são vestígios reais de algo que existiu ali. Isso é cultura material. Nós também produzimos, ao longo da história, patrimônio material.
Como certa vez disse Isabel Casimira, a rainha de congo da Guarda de Moçambique Treze de Maio e rainha da Federação dos Reinados do Estado de Minas Gerais, nossas raízes estão fincadas no chão do centro de Belo Horizonte. Ela reivindica esse dado porque tem uma missão. Ser rainha é ter uma responsabilidade espiritual com aquele povo enterrado ali, e que eu, como padre preto, também tenho. Essas pessoas acreditaram que seriam sepultadas e que seus corpos e almas seriam protegidos, mas alguém os abandonou ali e passou o asfalto por cima. Muita gente jogou a pá de terra por cima da memória deles: o padre, o bispo, o prefeito, o governador, os gestores. Quando eu e o Pai Erisvaldo escrevemos o canto desse povo que está embaixo do asfalto, foi clamando pela Rainha Isabel, clamando por Nossa Senhora do Rosário, clamando pela responsabilidade espiritual que todos nós temos para com essas pessoas que ali estão:
Não se esqueça de mim aqui
Não se esqueça de mim aqui, Rainha Preta minha. A expressão é Força de Vida. Que Deus lhes dê o descanso eterno. Filho meu, filha minha, venha pra mim vitoriosa, vem pra mim. Mamãe está aqui. Que Deus leve os corpos que aqui deitam para a eternidade, para o mundo dos ancestrais. Não se esqueça de mim aqui.Babalorixá Erisvaldo de Ogum
Padre Mauro Luiz da Silva
IIIª Ocupação NegriCidade, 28/09/2019.
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Belo Horizonte tem uma dívida com a população preta da cidade. A Igreja tem uma dívida conosco, e nós queremos ouvir um pedido de perdão. Mais do que isso, nós também queremos reparação. Eu quero não simplesmente reocupar a cidade. Eu quero ser reparado pelos males que a cidade me causou, pelo fato de eu ter que pagar caro pelo ônibus, passar horas dentro do transporte público e por estarmos ocupando muito mais as penitenciárias que as universidades. O que causou tudo isso não foi minha incapacidade. Isso foi planejado: foi um projeto para que nós ocupássemos as penitenciárias, as áreas de serviço, as periferias. Quem se beneficiou desse projeto eugenista e higienista também tem uma dívida conosco. É toda uma sociedade. Eu espero que esta cidade tenha consciência disso e saiba que essa população está aguardando uma reparação. Nós vamos cobrar, e não descansaremos enquanto não tirarmos essa história de debaixo do asfalto. Queremos saber o nome de todas as pessoas enterradas naquele cemitério, de todas as pessoas que construíram a capela e foram despejadas dali sem nenhuma reparação.
Muito em breve, será iniciada a construção de um edifício no território do Largo do Rosário, onde hoje há um estacionamento. Estamos vendo esse fato como uma grande oportunidade, pois, se a capela está por aquela região, pode ser que haja algum vestígio arqueológico. Por isso, apresentamos um pedido para o IPHAN e também encaminhamos ao Ministério Público Estadual um pedido de intervenção. É óbvio que os técnicos, arquitetos, engenheiros e construtores do novo edifício alegarão que ainda não havia o registro de patrimônio quando receberam autorização para a construção. Porém, o Arraial já estava aqui há muito tempo.
O antigo Arraial, que existia antes da capital ser inaugurada, estava em todo o interior da Avenida do Contorno. Estamos trabalhando focados no Largo do Rosário, mas essa não é só uma história negra da cidade, é a história de todo o Arraial. Essa não é apenas uma causa negra, mas uma causa da cidade, dos mineiros, dos belo-horizontinos. Nós, negros, estamos à frente, mas creio que todo mundo quer saber a história do que havia antes desta cidade existir. Essas construtoras que nadaram de braçada e vêm com o mesmo discurso de que não havia nada aqui, agora vão ter que saber que havia. E somos nós quem vamos bancar a luta por reparação.
Para pensar nessa reparação, eu usaria a mesma linha de raciocínio de quando se discute a questão política das cotas. Nós podemos tentar levantar essa reparação bem aqui, no entorno da Capela do Rosário, mas e os danos causados pelo período escravocrata? Os senhores dos escravos foram indenizados, mas os escravizados não. Eles foram explorados e colocados para fora, sem direito a nada. Fomos trazidos de África e, depois de nos explorarem, nos dizem que cada um tem que se virar do jeito que pode? Quem vai reparar esses danos que geraram uma série de consequências? Quantos anos serão necessários para que o povo negro possa sair das penitenciárias e ingressar em peso nas universidades, por exemplo? Estamos levantando essas questões agora, mas as suas consequências estão sendo sentidas há séculos. E hoje nossos corpos ainda continuam sendo mortos, explorados, apagados. É um projeto que ainda persiste. Continuam nos deixando morrer dentro do camburão, continuam com o joelho sobre nosso pescoço, continuam sexualizando a mulher negra, continuam nos vendo com complacência, nos fazendo caridade, enquanto seu próprio modo de vida não nos permite sair da condição de empobrecidos e desapropriados. Entre a bondade e a caridade, o que eu quero é justiça. E entre as estruturas horríveis sobre as quais o racismo está alicerçado, o que eu quero é reparação.
Os brancos precisam dessa estrutura hierárquica – até a Igreja precisa dela. Quem trabalhou na construção das igrejas de Belo Horizonte foram pessoas pretas ganhando muito mal. Mas quem projetou, arquitetou e ganhou muito dinheiro foram os brancos de classe alta.
Os museus da cidade continuam com o mesmo discurso, colocando pessoas pretas como escravizadas e pessoas brancas como católicos maravilhosos, colecionadores de arte e de bom gosto. De um lado, o barroco mineiro, com obras em douramento de ouro; do outro, as peças de escravização e tortura de gente preta. Todo esse projeto continua ativo, essa é a questão que precisa ser combatida. Não é apenas ir contra o que aconteceu no passado, mas ir contra o que está acontecendo ainda em nossos dias. É o que está sendo projetado para o futuro hoje e desde sempre.
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Hoje, depois disso tudo, eu perdi a ingenuidade. Parei de ingenuamente acreditar que no dia 12 de dezembro de 1897 inaugurou-se uma cidade em cima do nada. Construir em Belo Horizonte é, até hoje, muito fácil. É construir sobre o nada, é construir sobre o vazio. Acho que essas pessoas que intencionalmente nos fizeram acreditar nisso eram muito seguras de si para pensar que ninguém questionaria essa narrativa. Cada dia mais, eu vejo a necessidade de pensarmos nas camadas dessa história oficial, e estou preocupado com a camada que vem antes do asfalto, que é a da comunidade negra. O que fizeram, desde o início, foi um projeto de apagamento, um projeto contra essa comunidade.
Não quero ficar nesse lugar de falar dos maus e dos bons da história, mas também não quero estar a serviço do projeto de alguém que apagou essa narrativa passada, essa narrativa colonial, essa narrativa escravocrata em prol de uma história da República, com ares modernistas e baseada em um suposto progresso. Tenta-se, até hoje, continuar apagando essas outras camadas da história. Só se esqueceram de nos perguntar se iríamos topar tão ingenuamente a ideia de que não há nada sob os asfaltos do progresso.