Laboratório Coletivo de Design: conheça o Colé
Colé: uma reflexão formativa e constitutiva de novas possibilidades
Por Rafael Amato
Ainda que insistamos em chamar nosso tempo de sociedade colaborativa, muitas vezes parece que nos perdermos e não sabemos como trabalharmos coletivamente, como nos vincularmos a interesses comuns, como darmos conta das diferenças postas pela discussão em grupo.
Para uma instituição cultural este é um desafio posto ao qual precisamos prestar atenção. Afinal, as instituições culturais podem e devem ser um laboratório para relações inventivas também com seus processos. É nesse sentido que, no BDMG Cultural, iniciamos uma reflexão sobre o lugar do design na cultura e sobre como podemos garantir a uma instituição de interesse público que os processos criativos e projetuais sejam mais coletivos.
O primeiro passo foi uma experiência que intitulamos Colé realizada entre outubro e novembro de 2019, em parceria com o ESPAI. Uma reflexão formativa e constitutiva de novas possibilidades do fazer tão essencial para mim, um jovem designer, quanto para parceiros de profissão que já caminham por essa estrada há mais tempo.
Colé – Foto: Divulgação
Tomemos a metáfora de uma caixa de ferramentas como um repertório disponível para os nossos pensamentos e fazeres, o que parece particularmente interessante quando comparada à prática do designer. A possibilidade de se criar essa caixa é a oportunidade de reunir valores, métodos e conceitos que nos orientam a outro lugar de possibilidades, criando novas relações do fazer.
Essa perspectiva é interessante porque, se pensarmos bem, a ideia de um conjunto de ferramentas e metodologias é comum a inúmeros processos educativos, especialmente no Design. Esse repertório, no entanto, muitas vezes já está ali, tão pronto e metodicamente embelezado que parece a única opção possível de ser utilizada. A caixa de ferramentas, nesse sentido, deve funcionar para além de si própria, sendo o ponto de partida para outras questões.
Novas possibilidades podem ser difíceis de serem vislumbradas, mas quando compartilhamos e humanizamos as questões, nossas ações podem ficar mais claras. Seria a coletividade, então, uma possibilidade de transpor essa barreira de entendimento?
Esse é o questionamento base para a construção do Colé – Laboratório Coletivo de Design. Seu objetivo foi reunir seis designers, selecionados por edital público, para uma prática coletiva e formativa cujo resultado deveria ser a identidade comemorativa do Prêmio BDMG Instrumental, que completa 20 anos ininterruptos, em 2020. Juntos, nos colocamos a pensar, debater e produzir novos repertórios visuais para o Prêmio.
Partimos da indagação – como o próprio nome da iniciativa sugere, pois “colé”, no bom português coloquial, quer dizer “qual é?” e é uma expressão usada para iniciar conversas – para criar um projeto na interdisciplinaridade, constituída do encontro entre Design e Música. Além disso, o grupo constituído não somente por designers, mas por artistas, arquitetos e de uma publicitária: Gabriela Abdala, Luisa Rabello, Theresa Morais, Clarice Lacerda, Estevam Gomes, Gabriel Figueiredo, selecionados pelo edital público, se juntaram a Rafael Amato, Celso Longo e Marcelo Drummond.
Uma conversa do grupo com os músicos Luísa Mitre e Rafael Martini, que também nos nortearam na criação visual da identidade, foi o elemento disparador de nosso trabalho. Entre músicos e designers, logo percebemos a proximidade de alguns termos utilizados: composição, arranjo, improviso, contraste. Assim como o músico, o designer toca e, com a mão, constrói narrativas sensoriais.
Ao longo dos dias, compartilhamos experiências e visões diferentes. Abrimos nossas caixas repertoriais e propusemos o encontro entre ela para a criação, sem perdermos a possibilidade do singular. Dessa maneira, afastamo-nos da figura centralizadora do designer e caminhamos para uma prática de horizontalidade e reciprocidade.
Lidamos com os limites de nossa convivência como parte constitutiva de nossa prática, agregando ao projeto seu próprio processo de criação e entendendo o erro também como possibilidade de desenho. Investimos tempo na conversa, no fazer analógico, na convivência e também na discussão técnica e decisiva, tão atribuída à prática do designer. A decisão coexiste com o compartilhamento, com esse equilíbrio de forças que nos orienta para entendimentos outros.
Nas nossas pesquisas, uma definição apareceu:
a mão é como uma síntese, exclusivamente humana, do masculino e do feminino; é passiva (receptiva) no que contém; ativa no que segura, serve de arma e utensílio; se prolonga por seus instrumentos. O instrumento sozinho não toca, é preciso a mão, o afeto. A mão nos serviu tanto como instrumento quanto como imagem. É dela que se parte para a identidade do Prêmio. A ausência na presença, representada pela forma e contra-forma do que aproxima tantos fazeres: a mão que cozinha, desenha, costura e, sobretudo, toca.
Colé – Foto: Rafael Amato
No final, desenho é risco, como anunciado pelo coletivo mineiro de intervenções urbanas Poro. Relaciono-o aqui também ao ato de desenhar no Design, contrariando as metodologias mais duras da disciplina, que o pregam enquanto ciência pura e resolutiva. O Colé propõe assumir esse risco coletivamente, alinhando-se a fazeres contemporâneos que entendem que, sozinhos, a jornada é mais dura. É no comum, na experiência coletiva, que constituímos algo que pode aproximar e tocar outros sentidos, criando um repertório múltiplo e talvez mais abrangente.
Que o Colé nos sirva de ponto de partida para outras experiências.