Composições em movimento
A música é, ao mesmo tempo, um mistério e uma dádiva. A princípio, talvez seja mais comum imaginá-la como algo que nos invade; algo que não necessariamente somos capazes de enxergar, mas que definitivamente somos capazes de sentir. Algo que move, que toca, que emociona. Por outro lado, também não soa estranha a ideia da música como algo que sai de nós: algo que criamos, que utilizamos para nos expressar e que nos conecta a outros seres.
Pensar a música é pensar uma presença. Mesmo que não seja possível visualizar as ondas sonoras vibrando o ar a nossa volta, é possível perceber a música nos lugares, nas coisas e nas pessoas. Ela está em corpos que dançam, em instrumentos que são tocados, em memórias que são passadas de geração para geração. Música é também movimento.
Nesta edição, convidamos os leitores e leitoras a conhecer e refletir sobre a presença – e agência – da música na cultura mineira, a partir de histórias atravessadas por ancestralidades afro-diaspóricas e indígenas. Do Reinado às rodas de capoeira, passando pelos bailes black e pelas batidas do hip-hop, os cantos, canções, ruídos, batuques e sons de toda espécie que ecoam nessas Minas demonstram uma capacidade constante de reinvenção e a permanência de práticas e valores que sustentam as tradições.
No texto de capa, acompanhamos o reinadeiro Jefferson Lázaro em uma visita à história das Festas de Rosário em Itaúna, realizadas antes mesmo da cidade existir como tal. Como em um cortejo, Jefferson – que é capitão de uma das guardas locais – nos guia por lembranças, saberes e causos dos mais velhos do Reinado de Itaúna, que, por décadas, vêm mantendo, de maneira alegre e conjunta, os fundamentos de louvor a Nossa Senhora do Rosário.
Em diálogo direto com essas histórias, temos o depoimento de Antônio Cassimiro, Capitão e integrante há mais de 40 anos da Guarda de Moçambique e Congo Treze de Maio de Nossa Senhora do Rosário, em Belo Horizonte. Neto da saudosa Rainha Maria Cassimira, Toninho – como é mais conhecido – nos mostra os sons da caixa, do patangome e das gungas, além de compartilhar aprendizados de uma viagem marcante que fez a Angola.
Ainda no ambiente urbano da capital, olhamos para manifestações locais de dois movimentos nascidos no seio da cultura afro-estadunidense do século 20. Em entrevista com os músicos e produtores culturais DJ Edd e Cal, do grupo Verdade Seja Dita (VSD) e do festival Atitude e Consciência Norte (ACN), voltamos aos primeiros passos do hip-hop mineiro e mostramos seu potencial de mobilização em comunidades que quase sempre sofrem com a falta de investimento e oportunidades no campo da cultura. E pelas vozes de cinco mulheres negras apaixonadas por dança, ficamos sabendo como a música soul encantou jovens da periferia de BH nos anos 1970 e deu origem aos bailes black da cidade, uma tradição que se mantém até os dias de hoje.
Completando o conjunto, um olhar para a obra de Babilak Bah, um “artista do ruído” que, há mais de 30 anos, realiza experimentos sonoros poéticos e fora da curva, empregando a enxada como instrumento e se inspirando em movimentos políticos ligados à luta pela terra. Com isso, esperamos compor, neste nosso décimo-primeiro número, um mosaico breve, mas rico, das muitas formas como a música – especialmente aquela de raízes afro-diaspóricas – tem conectado pessoas e colocado em movimento essas e outras práticas culturais de inegável relevância social, política, artística e/ou religiosa. Boa leitura!
Expediente
Edição de textos: Igor Lage
Textos e colaborações: Jefferson Lázaro, Ceci Nery, Paula Lobato, DJ Edd VSD (Edivânio José Silveira), Cal (Cláudio Rodrigues), Francisco Rocha, Marco Scarassati, Antônio Cassimiro, Igor Lage, Dolores Orange, Brenda Laura.
Projeto gráfico: Estúdio Guayabo
Diagramação: Paulo Proença e Maria T Morais
ISBN: 978-65-87282-14-5