REVISTA nº 6

Em torno dos livros, para além deles, em comunidade

A história de Mazza e sua editora, uma das primeiras no país a se especializar na temática racial, tornando-se um exemplo de princípios e resistência editorial

Igor Lage, Paula Lobato
06 Out 2022 33 Min
Em torno dos livros, para além deles, em comunidade
Visita de Mazza à editora em Heildeberg, na Alemanha. Foto: Acervo pessoal

Hoje em dia, não é raro encontrar em grandes livrarias uma seção dedicada aos lançamentos recentes que discutem relações raciais e aspectos da cultura afro-brasileira, além de romances, contos, ensaios e outros textos escritos por autores e autoras negras. Esse é um fenômeno recente, mas suas origens podem ser traçadas lá de trás, no trabalho de editoras como a Mazza Edições.

Fundada em 1981, em Belo Horizonte, a Mazza Edições leva o mesmo nome daquela que a criou. Figura acolhedora e cheia de boas histórias para contar, Mazza – Maria Mazarello Rodrigues, para os documentos oficiais – está à frente de sua editora desde o primeiro dia de funcionamento até hoje. Aos 81 anos, é ela quem coordena todo o trabalho de produção, além de cuidar da curadoria dos títulos: “Eu não publico nada – nada, nada, nada – sem antes ler”, garante.

Nascida em uma família pobre no interior de Minas Gerais, Mazza se mudou com a mãe e os irmãos para Belo Horizonte na década de 50. Ainda adolescente, conseguiu emprego em uma gráfica e, desde então, nunca mais se afastou do universo da produção e distribuição de livros. Estudou editoração na segunda turma do recém-criado curso de Jornalismo da UFMG e esteve à frente de editoras e livrarias importantes na cidade, publicando jovens escritores e a efervescente produção intelectual universitária do período ditatorial. No final dos anos 70, enquanto fazia seu mestrado na França, teve a faísca para aquele que se tornou seu grande projeto de vida: criar uma editora especializada na publicação de pessoas negras e em temáticas relacionadas à negritude, que, na época, tinham ainda menos espaço no mercado editorial brasileiro.

Desde o primeiro momento, a bandeira levantada por Mazza tornou-se um estandarte firme de luta e resistência, um compromisso ético e político de promover mudanças nas estruturas segregadoras e excludentes que sustentam nossa sociedade.

Durante seus mais de 40 anos, a Mazza Edições apostou em trazer para o centro do debate as questões que muitas vezes são deixadas nas margens, apostando em projetos que não visam necessariamente as grandes tiragens e o sucesso de vendas, mas que contribuem para a criação de novos imaginários em seus leitores e suas leitoras.

“Sempre foi meu objetivo publicar livros para crianças”, conta Mazza. “Mas eu quero publicar livro infantil bonito e que os personagens negros não sejam feios. Porque, quando eu era criança, ouvia me chamarem de ‘negrinha’, ‘fedorenta’, ‘cabelo duro’, não sei o quê. Então eu tenho o maior cuidado com esses livros porque quero botar eles na mão das crianças para trabalhar a autoestima delas, que era e ainda é muito baixa, por esse país ser racista do jeito que é. É para as crianças crescerem e falarem ‘Eu posso ser rainha, eu posso ser princesa, eu posso ser príncipe’. Por isso eu tenho esse cuidado”.

Atuando há tanto tempo nessa frente, é até difícil calcular o impacto da Mazza Edições na cultura mineira e nacional. Não é à toa que o portal Literafro, da Faculdade de Letras da UFMG, argumenta que uma das principais vocações da editora é a “mediação entre autores, obras e público”. “Eu tenho essa relação próxima com ilustradores, revisores, leitores, o pessoal da gráfica. Eu falo que a Mazza Edições está em pé porque, na verdade, a gente não faz nada sozinho na vida”. Na entrevista a seguir, a Mazza compartilha histórias de como sua trajetória foi atravessada pelos livros e como, ao fundar a Mazza Edições, precisou também elaborar estratégias e criar redes inéditas para trazer seus livros para o mundo.

  • A Mazza Edições é, sem dúvidas, uma editora muito vinculada a você, Mazza, à pessoa que a criou. Pensando nisso, gostaríamos de saber como começou a sua relação com os livros e com a leitura, antes mesmo da ideia da editora existir.

Graças a minha mãe, tive acesso à leitura desde muito cedo. Eu sou do interior, nasci em Ponte Nova, Zona da Mata, bairro das Palmeiras. Minha avó veio da Fazenda Boa Sorte, uma daquelas fazendas de café e cana, nascida na vigência da Lei do Ventre Livre. Nunca passou pela minha cabeça ficar perguntando à minha mãe ou minha avó sobre essas coisas, então o que eu sei são fragmentos. Sei que minha mãe foi a sexta filha, e que o fazendeiro que era pai dela resolveu construir uma casa para as duas na cidade, para que minha mãe pudesse estudar com os salesianos, que estavam fazendo um colégio para moças e outro para rapazes em Ponte Nova. Eu sei que a minha mãe estudou até o quarto ano nesse colégio. Como a educação era muito boa, minha mãe era uma mulher culta.

Primeira comunhão em Ponte Nova, cidade da Zona da Mata mineira. Mazza ao centro. Foto: Acervo pessoal

Ela se casou com meu pai, que era um homem negro. Minha mãe também era negra, mas tinha o tom de pele um pouco mais claro, evidentemente o fazendeiro era branco. Meu pai morreu cedo e minha mãe ficou viúva com nove filhos. Alguns amigos se ofereceram para ficar com um ou outro, mas mamãe disse: “Eu não criei filhos para dar. Eu mesma vou criar os meus filhos!”. Então o que ela fez? Aquilo que poderia fazer dentro daquele contexto para ter condição de criar os filhos: lavar roupa e passar para fora.

Ponte Nova era uma cidade rica, produzia açúcar e café. Era também uma cidade cultural, e recebia vários jornais, inclusive do Rio de Janeiro. Minha mãe trazia da casa das freguesas os jornais que já tinham sido lidos, e também os livrinhos que os meninos delas já não queriam mais ler. Quando chegava a noite e ela ia passar as roupas que lavava de dia, mamãe escolhia os livros e botava a gente sentada para ler. Para os pequenos, ela mesma lia. E cantava. Ela lia demais! Mamãe sabia de muita coisa porque ela lia, lia mesmo. Foi mamãe que botou os livros na mão da gente.

  • E você também estudou nesse mesmo colégio?

Sim, eu estudei com os salesianos. Dom Bosco é um santo que cuidava dos órfãos, então eles acolhiam algumas crianças pobres para estudar, para o catecismo, essa coisa toda. Eu estudei lá porque me encaixava nesse quesito, mas, de modo geral, minhas colegas eram todas filhas de fazendeiro, todas meninas riquinhas. Eu estudava nas classes anexas. Então, por exemplo, quando a gente fazia fila, mesmo sendo pequena, tinha que ser uma das últimas, ficar lá no final. A gente levava beliscão etc. E estudava só até a 4ª série.

Umas duas ou três irmãs me protegiam, e uma delas, a irmã Lilian, falava para eu continuar os estudos e pedir para me deixarem fazer o ginásio lá. Falou que dava um jeito de me arrumar caderno, material, uniforme, mas que minha mãe tinha que pedir autorização para a irmã-diretora. Isso eu não esqueço de jeito nenhum.

O colégio tinha também um curso noturno para ensinar a ser cozinheira e doméstica. Mas eu queria ser professora, queria continuar estudando no colégio. E eu rodiei mamãe, rodiei mamãe, rodiei mamãe até a convencer que ela tinha que ir no colégio comigo. Eu me lembro direitinho de ir de mãos dadas com ela. Fomos recebidas na portaria. “Quero falar com a irmã-diretora”. Abriram a porta e deixaram a gente esperando em pé. E eu agarradinha com mamãe. Aí veio a irmã. Mamãe explicou, conversou direitinho. E eu lembro que a irmã-diretora respondeu assim: “Dona Penninha (ela se chamava Amarillis Penna, mas por ser muito magrinha era apelidada de Penninha), a senhora sabe… Eu não posso autorizar a Maria Mazarello. Eu não posso autorizar porque, a senhora sabe, uma menina pretinha…”. Isso eu tinha dez anos. “Por que a senhora não faz o seguinte: matricula ela na escola noturna para domésticas, porque ela vai ser doméstica. Ela vai ser, a senhora sabe, Dona Penninha. Não posso autorizar”.

Mamãe não disse palavra. Saiu. Eu fui com a orelha puxada, mas puxada!, lá do colégio até em casa. Essa cena eu não esqueço de jeito nenhum. Mamãe me xingava: “Desocupada! Você não tem o que fazer? Você não vê que sua mãe é uma mulher ocupada? Me fazer largar serviço para ouvir isso que eu ouvi?! Você é uma desocupada”.

Nessa época, meus dois irmãos mais velhos já estavam trabalhando em Belo Horizonte. Mamãe tinha resistido até então ao apelo deles para ir também. Acho que, depois disso, ela decidiu que realmente não podia mais ficar em Ponte Nova. Hoje eu tenho essa consciência. Então mamãe juntou a gente, deixou dois para trás que ainda estavam estudando, e veio embora para Belo Horizonte.

  • Como foram esses primeiros anos em Belo Horizonte?

Eu tinha 13 anos quando nós viemos para Belo Horizonte. Minha tia que morava aqui me arrumou um trabalho como secretária do Dr. Otávio Costa, um médico para quem ela lavava roupa. Eu trabalhava de dia e estudava à noite no Colégio Comercial Tito Novais. Em três anos, me formei como auxiliar de escritório, e depois foram mais três do que eles chamavam de contabilidade. Consegui terminar o curso e aí entrei no IMACO [Instituto Municipal de Ciências Contábeis], escola que ficava dentro do Parque Municipal. Nós morávamos no subúrbio, no bairro Esplanada. Aqui era só mato. Meus irmãos compraram o lote, fizemos o barracão. E eu ganhava 400 cruzeiros, uma dificuldade… 

Depois de quatro anos trabalhando com o Dr. Otávio, eu decidi sair de lá porque estava ganhando muito pouco. Saí escondida de mamãe. Eu já tinha feito um curso de datilografia, pensei em trabalhar com isso, por isso escrevia para a seção de emprego do Estado de Minas. Eu mandava a carta, recebia o retorno e me chamavam para fazer a entrevista. Meu português era bom, eu fazia o teste, não tinha problema nenhum. Mas na hora do resultado… nada. Era porque exigiam “boa aparência”.

Formatura de Mazza na Escola de Comércio, em 1955. Foto: Acervo pessoal

Naquele tempo, para nós, adolescentes, a questão do cabelo era um problema, porque a gente não queria ser “nego do cabelo duro”. Já que era negro, pelo menos não do cabelo duro. Então nós alisávamos o cabelo com ferro quente. Queimava, esticava, passava vaselina, tudo para melhorar. Por isso eu trato a questão do cabelo nos livros da Mazza Edições.

Sem trabalho, naquele desespero, meus colegas me mandavam vagas, mas não acreditavam que eu não conseguia nada porque era preta. No IMACO, eu tinha um colega, Avelar, que me contou que o PABAEE [+]O Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar (Pabaee) foi um convênio assinado entre Brasil e Estados Unidos para a formação de educadores brasileiros e produção de material didático voltado para o ensino primário. O programa enfatizava uma abordagem mais técnica da prática educacional e existiu durante os anos de 1956 a 1964. [-] estava vindo para Belo Horizonte e iriam abrir uma gráfica para produção de material didático. Como eu era muito boa de datilografia, ele disse que daria certo. Eu nunca tinha entrado em uma gráfica na vida, não tinha a menor ideia de como era… Livros sim, eu conhecia, eu lia muito. Mas como fazia o livro? Nem ideia.

Fui lá fazer o teste no setor de datilografia. Primeira vez na vida que entrei em uma gráfica. Quando entrei na sala, lembro direitinho, eu olhei e pensei “Cadê as Remingtons e Olivettis?”. O que tinha era uma máquina chamada IBM Executive. Eu nunca tinha visto aquilo na vida! Nem sabia que existia máquina de escrever elétrica. Aí eu tentei o teste, mas não teve jeito, eu não sabia usar aquilo. Quando o responsável pelo setor, chamado Henrique Vicente Correia, falou comigo que não deu, ali mesmo, sentada, eu desabei. E desandei a chorar. Ele ficou tão impressionado, me deu o lenço, e falou comigo: “Escuta, você fez o teste e não passou, é só isso. Que desespero é esse, menina?”. Depois de muito soluçar, expliquei que aquela era minha última esperança. Falei que estava desempregada, que precisava ajudar em casa. Então, o Henrique conversou com o chefe da gráfica, e ele disse que a única vaga que tinha disponível era para faxineira. Eu perguntei: “Mas eu tenho chance?”. E ele disse: “Mas é para faxineira…”. E eu: “Qual é o problema? Quanto paga?”. Se fosse 400, 500 merréis, ainda assim eu teria que considerar. “Pagamos o salário mínimo”. Aí eu quase desmaiei! Ganhar um salário mínimo era meu sonho. Voltei a chorar de novo. Henrique nunca se esqueceu disso, sempre relatava.

  • E foi assim que você entrou nesse mundo da editoração, então.

Isso. Trabalhando na gráfica, eu comecei a ver como funcionava esse negócio de fazer livro. Vendo meu desespero, o Henrique me sugeriu que, na hora do almoço e nas folgas, eu pedisse para o pessoal me ensinar os processos. Como que eu não quero? E assim, no final de três meses, eu estava na intercalação. No final de seis meses, eu já estava na composição. Eu achei tudo tão interessante que no fim do ano já conhecia o processo todo.

  • Foi aí que surgiu o desejo de cursar jornalismo?

Nunca tinha me passado pela cabeça fazer jornalismo. Eu já era contadora, já tinha diploma, para mamãe estava maravilhoso. Mas, lá na gráfica, eu fiquei muito amiga da Anna Lúcia Campanha Baptista, uma das secretárias dos americanos. Um dia ela me perguntou o que eu pensava em fazer depois de me formar. Eu disse: “Ser contadora”. E ela: “Não, não faz isso, não. Por que você não faz jornalismo?”. “Que jornalismo o quê, menina, eu sou contadora”. Anna Lúcia me contou então que iam abrir o vestibular para a segunda turma de jornalismo na Fafich [Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG]. “Minha filha, eu sou contadora, eu não posso nem pensar nesse negócio de jornalismo”. Mas fiquei intrigada com a ideia… E preocupada, porque o curso era de dia e eu precisava trabalhar. Mas Ana Lúcia me convenceu e eu fui fazer o vestibular sem contar para mamãe. Acreditam que eu passei? 

A Faculdade de Filosofia cumpriu na minha vida aquilo que a universidade deve cumprir: ela abriu o mundo para mim. Como eu estava envolvida com o processo da gráfica, peguei uma matéria chamada Editoração, do professor Charles Scorfield, um escocês. Na Fafich, eu tanto me aperfeiçoei na prática da editoração como comecei a ter um envolvimento político maior. Naquele período efervescente, ficava vendo os estudantes e ia absorvendo tudo.

  • Foi nessa época de universidade que surgiu a ideia da Mazza Edições?

Não, ainda nem pensava nisso. Tive outros projetos antes. Primeiro, ainda na universidade, Anna Lúcia me chamou para abrir uma editora. Anna Lúcia era danada! Falei: “Mas, Anna Lúcia, onde é que nós vamos abrir uma editora? E como é que faz isso?”. E ela me contou que tinha um galinheiro muito ajeitado na casa dela que estava desocupado, que a gente podia abrir a editora lá. Gente nova, né? Jovem tem dessas coisas, tem que ser isso. Abrimos então a Editora do Professor.

Depois da Editora do Professor, abrimos a Livraria do Estudante, que virou um ponto de encontro do pessoal da universidade. Até o Chico Buarque cantou lá. Iam os pintores, os poetas, no sábado tinha torresmo com pinga, era aquela efervescência. Mas isso foi em 1964. Veio o golpe e muitos frequentadores foram presos, alguns sumiram de tal maneira que até hoje a gente não sabe como foram sumidos… E, evidentemente, fecharam a livraria.

A essa altura, eu já tinha brigado com a Anna Lúcia, porque eu também não era fácil. Aí decidi abrir uma gráfica sozinha, a Grafiquinha. Essa coisa de gente nova. O avô dela me alugou a garagem do porão da casa dele, no Floresta. Ali, naquele lugar, eu imprimi um livro do Luiz Vilela que ganhou um prêmio de literatura [Prêmio Nacional de Ficção de 1967]. Ele não conta, mas toda vez que eu dou entrevista, eu conto que nós fizemos Tremor de Terra, primeiro livro dele que ganhou prêmio, lá na Grafiquinha Editora.

  • Você comprou uma impressora nessa época?

Não, a editora funcionava na base do arranjo. Eu arrumei uma máquina Davidson velha, porque eu aprendi a imprimir também. 

Quando chegou por volta de 1967 ou 1968, o pessoal de esquerda que tinha sido preso na universidade saiu da prisão e resolveram abrir uma editora. Eles não tinham essa vivência, então chamaram eu e Anna Lúcia (que tinha sido presa também) para abrir uma editora com uma proposta nova. Fechei a Grafiquinha e formamos a Editora Vega. Quem criou nossa logomarca foi um cara que a gente chamava de Henriquinho. Henrique Souza Filho, o Henfil. Ele era novinho, trabalhava numa agência de uns amigos nossos. Era tudo uma patota só.

Pela Vega passou muita gente. Ela durou entre os anos de 1968 e 1978, e a gente era declaradamente de esquerda, então passamos um aperreio porque os militares estavam sempre de olho no que fazíamos. Nesse período, eu era responsável pela produção e era também da diretoria. Aprendi muito de editoração com o professor  Edgar de Godoi da Mata Machado[professor da Faculdade de Direito da UFMG, foi deputado estadual, deputado federal e senador por Minas Gerais]. Ele era um intelectual, um humanista, uma pessoa especial na minha vida. 

A gente não ganhava nada, mas em determinado momento, conseguimos fazer uma coleção de livros chamada Cirurgia Geral e Especializada, coordenada pelo professor Dr. João Batista Rezende Alves, que foi comprada pelo governo e ganhamos um dinheiro, que nos possibilitou sermos remunerados devidamente. A primeira coisa que eu fiz foi comprar o lote onde estamos agora e onde hoje funciona a sede da Mazza Edições. Aqui ainda era só mato, tinha um formigueiro bem grande e essa rua nossa nem existia. Aqui embaixo era favela e passava um córrego, uma biquinha. Depois foram empurrando, empurrando, empurrando, mandaram as pessoas para o Alto Vera Cruz e isso aqui virou outra coisa. 

Eu fiz essa casa para minha mãe. Queria fazer um trem direito, não um barracão qualquer, então arrumei dois colaboradores nossos lá da Vega, os arquitetos Roberto Pinto Manatta e José Carlos Laender, e o engenheiro Mauricio Rosenclever. Eles fizeram o projeto, na hora eu achei que era loucura, que eu não ia ter dinheiro, mas dei um jeito. Fizemos uma casa digna, com espaço para mamãe plantar de tudo.

  • Mas antes de criar a Mazza Edições, você fez um mestrado na França, certo? Pode contar um pouco como foi a experiência e como isso impactou na criação da editora?

Quando chegou 1978, com aquele momento de abertura política, o pessoal decidiu fechar a Editora Vega e voltar a fazer política. Minha mãe tinha morrido em junho, e eu estava numa tristeza… Eu tinha uma amiga, a Etelvina Lima, que foi uma das fundadoras do curso de Biblioteconomia da UFMG. Fiquei muito amiga dela porque eu tinha feito a tese de doutorado dela lá na Vega. Foi a Etelvina que conseguiu para mim uma bolsa para estudar editoração em Paris. Bom, lá fui eu para a França. Minha pesquisa era sobre o negócio da Vega, estudar como uma pequena editora funcionava. Mas para que fazer o curso de editoração para saber isso? Porque eu tinha um conhecimento prático de mais de 20 anos na área, mas sentia que me faltava uma base científica. Prática eu sabia, mas teoria mesmo, não.

Mazza durante o mestrado na França. Foto: Acervo pessoal

Na universidade que eu frequentei em Paris, tinha muitos estudantes africanos. Foi a primeira vez na vida que eu vi um negro autêntico. Quando eu vi aqueles negros pela primeira vez, eu não acreditei! Aí que eu fui entender porque que tinha aquele negócio de americano falar “black is beautiful”. Eu descobri isso lá. E fui descobrir que tinha escritor negro, poeta negro, não sei mais o quê…

Em Paris, tomei conhecimento também do Movimento Negro, fiquei sabendo que o trem estava pegando fogo aqui no Brasil, e eu fui me inteirando aqui, ali, naqueles botecos lá, naqueles bistrôs. Viajei para a Itália, Espanha, Alemanha e Inglaterra. Eu via as experiências editoriais nesses países todos e pensava: “Gente, eu trabalhei 20 e tantos anos com isso e nunca publiquei um autor negro. Trabalhei na Editora do Professor, na Grafiquinha e na Vega, e nunca na minha vida eu publiquei um autor negro”. E, até então, isso nunca tinha me passado pela cabeça, em hipótese nenhuma. Autor negro eu conhecia Lima Barreto e Machado de Assis. E eu sei de livro, sei de editoração, sei tudo dessa área! Eu carregava comigo um estigma, me lembrei daquelas ilustrações feias de pessoas negras nos livros que eu lia quando era menina. Pensei: “Meu Deus do céu, eu vou voltar para o Brasil e vou abrir uma editora”.

Falando assim, parece que eu tinha muito dinheiro, mas eu recebia só uma bolsa da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, vinculada ao Ministério da Educação], se voltasse para cá, nem emprego tinha. Eu e Paulo Bernardo [Vaz, professor aposentado do curso de Comunicação Social da UFMG], que foi comigo, éramos tão bons alunos que recebemos uma bolsa de doutorado. Aí ele falou o seguinte: “Mazza, você tá doida? Se você não tem emprego lá, vamos ficar aqui”. “Eu não. Você pode ficar”. Paulo decidiu fazer o doutorado, e eu quis voltar para o Brasil e abrir minha editora. “Como você vai abrir uma editora com uma mão na frente e outra atrás?”, ele perguntou. “Eu sou devota de Santa Rita, eu vou e vai dar certo”. Voltei. No peito e na raça. Chegando ao Brasil, achei uns restos de coisas da Editora Vega, o maquinário, ficou tudo perdido aqui na minha casa. A Mazza Edições nasceu assim.

  • Seu primeiro projeto na Mazza Edições foi a coleção Essa história eu não conhecia. Você pode nos contar um pouquinho sobre ela e sobre os primeiros livros que foram publicados?

Essa história eu não conhecia nasceu também durante o meu mestrado. Na Espanha, conheci um grupo de pessoas que estava editando uma coleçãozinha simples, bem simples, chamada A lo claro. Como a Espanha ficou anos e anos na ditadura do Franco, eles estavam fazendo uns livretinhos em preto e branco, grampeados no meio, para explicar alguns temas: La educación a lo claro, La política a lo claro etc. Aquilo foi ficando na minha cabeça, e eu pensei em chegar ao Brasil e publicar algo parecido. Precisava começar por aquilo que faltou na minha educação.

Quando eu era pequenininha, faltou saber como a gente realmente chegou aqui – saber qual é, de verdade, a história da escravidão. Porque a história que eu sabia é que viemos nos navios negreiros, chegamos aqui e fomos escravizados, presos e tudo mais. Eu tive tio branquinho, tio moreno, tio claro… Mas eu só fui cair nessa questão de tomar uma posição em relação à questão racial já velha, porque, na minha terra, preto não valia nada. Preto e pobre era ainda pior. Então, evidentemente, nunca passou pela minha cabeça ficar perguntando à minha mãe ou minha avó sobre essas coisas. Por isso a Essa história eu não conhecia é para os meninos aprenderem na escola a história que a gente não conhece, que não estava nos livros didáticos que chegavam para a gente. Por que nós viemos para cá? Nós viemos de que jeito? Foi assim?

Eu fiz essa coleçãozinha com muito, mas muito sacrifício. Procurei pessoas para me ajudar, para ilustrar, mais ou menos baseado no que eu tinha visto lá na Espanha. O Movimento Negro me ajudou muito, porque eles mandaram os livros dessa coleção para outros lugares além de Belo Horizonte. Eles foram tão longe que um dia eu estava numa feira de publicações lá na Bahia, chegou uma pessoa perto de mim e perguntou: “Você é a Mazza?”. Pediu para me dar um abraço e me mostrou uma impressão ampliada do primeiro livro da coleção, que eu nem nunca tinha visto. “Eu tenho que te agradecer por causa disso aqui”. Eu perguntei como ela tinha arrumado aquilo. E ela: “Não sei, chegou aqui na escola”. Eu morri de emoção ao ver aquele primeiro livrinho da coleção Essa história eu não conhecia. Ele chegou às escolas, então eu atingi meu objetivo. E foram os movimentos negros que levaram! 

  • Desde o começo, a Mazza Edições tem esse interesse em publicar para os públicos infantil e juvenil, algo que se consolidou ainda mais com a criação do selo Penninha Edições, inspirado na sua mãe. Ao longo desses anos, como vocês têm buscado trabalhar a produção para esse público com o posicionamento editorial de valorizar a publicação de autores e autoras negras e temas relacionados à cultura afro-brasileira?

Não era fácil fazer os livros que eu tinha em mente, especialmente no início. Eu queria ilustrações bem bonitas para os livros infantis, mas, naquela época, eu não conhecia nenhum ilustrador. Trabalhei por um tempo com o Luis Carlos Gazinelli, que foi o primeiro ilustrador da Mazza Edições, muito amigo meu, mas ele era branquinho, de olho azul, e seus desenhos passaram longe daquilo que eu esperava. Anos e anos depois, vi na Editora Formato uma ilustração maravilhosa do Walter Lara, um ilustrador de Santa Luzia. Quando decidi fazer a coleção De lá para cá, entrei em contato com ele, falei que minha intenção era publicar recontos das histórias universais, mas tendo um cenário brasileiro e com os personagens negros. O primeiro que eu queria editar era a Rapunzel, que ficou na minha cabeça pela frase: “Rapunzel, lance suas loiras tranças”. Ele topou o desafio – era “desafio” porque ele nunca tinha ilustrado um personagem negro –, e fez o primeiro desenho da Rapunzel. Fez o segundo, o terceiro… Aí eu falei: “Walter, você está fazendo uma ilustração linda, de uma menina linda com a pele negra, mas olha esse nariz… Esse nariz não é assim, nem o cabelo… A minha princesinha é negra. Ela é toda negra. Se você for na África, vai ver que o negro tem etnias. Então você tem o negro de um jeito, o negro de outro jeito. Procura essas referências que eu tenho certeza que você vai encontrar uma Rapunzel negra, não europeia”. Quando ele chegou com o quarto desenho, pronto. Achou. E ficou tão bonito que eu passei toda a coleção para ele.

Então, pensando nos livros para crianças, esse trabalho que a Mazza Edições tem feito é uma caminhada de muitos anos. Quando o assunto era ilustração, eu pensava: “Gente, mas eu preciso de um ilustrador negro”. E nem sempre achava, mas eu buscava. Ao mesmo tempo, eu conversava com o ilustrador branco sobre como trabalhar o personagem negro. Por isso eu digo que foi uma caminhada. Assim como o Walter, outros ilustradores falavam comigo: “Personagem negro eu nunca desenhei, não”. Então, em certo sentido, acho que eu contribuí um pouco nessa parte.

Em relação aos textos, muitos deles eu mesma corri atrás e pedi. Quando eu sentia que o autor era bom, eu cutucava e pedia o texto. Falava: “Gente, vocês podiam preparar um material que a Mazza publica, mas voltado para esse público aqui, para a criança, para o adolescente”. Eu tive a ideia de fazer uma coleção de textos para serem lidos nas escolas e trabalhar a autoestima do aluno e da aluna negra. Eram textos contando a história de pessoas que eu fiquei conhecendo nessa minha trajetória e podiam ser referência para as crianças. O primeiro foi sobre a Betina.

Conheci a Betina adolescente, e ela sempre falou que queria ser cabeleireira. Hoje ela mexe com isso, faz um trabalho tão bonito que eu queria mostrar para as crianças que é um caminho possível, porque ela nasceu ali no bairro São Geraldo. Falei com a Nilma Lino Gomes [professora titular emérita da Faculdade de Educação da UFMG e ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos entre 2015 e 2016], que eu queria que ela fizesse um texto falando da Betina. Eu fui a primeira a publicar a Nilma. [+]A mulher negra que vi de perto: o processo de construção da identidade racial de professoras negras – Mazza Edições, 1995. [-]

Na época, ela tinha acabado de publicar um livro justamente sobre cabelos pela editora Autêntica que fez muito sucesso [+]Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negra – Autêntica, 2006. [-], e aquilo ficou na minha cabeça. Falei com ela: “Ô Nilma, você já arruma seu cabelo na Betina, e agora você fez um livro sobre cabelo. Então eu queria que você fizesse para mim um livro sobre a Betina. Mas eu quero um texto para mostrar para as crianças na escola, não é texto para a universidade! Ao mesmo tempo, eu quero homenagear a Betina porque eu acho o trabalho dela tão, tão importante”. E a Nilma respondeu que não, falou que eu estava doida, que ela nunca tinha feito um livro para adolescentes, que não sabia fazer. E eu insisti: “Nilma, é o seguinte: se eu tenho que pedir alguém para falar sobre a Betina, é você! Pô, Nilma, vamos contar a história da Betina!”. Eu mesma não poderia contar porque eu não sei escrever livro – eu sei editar, corrigir, publicar. Aí a Nilma falou que ia pensar, depois veio falar comigo. Moral da história: tô com o livro da Betina publicado, escrito pela Nilma, e esse livro já correu o Brasil todo. A história da Betina correu o Brasil. E quando o livro ficou pronto, eu fui mostrar para a Betina e, nossa senhora, ela quase infartou (risos).

Fiz a mesma coisa com o Evandro Passos. O livro que fizemos sobre ele se chama O menino coração de tambor. Evandro foi meu office-boy na Editora Vega. Foi o pai, seu José dos Passos, que foi na editora pedir emprego para ele, que ainda era adolescente. A Vega estava naquela dificuldade, fazendo das tripas coração, mas aquela família precisava de ajuda. Contratamos o Evandro como boy. Só que ele ia para a rua resolver as coisas e sempre demorava muito, três vezes o tempo que precisava, e a gente nunca entendeu por quê. Anos depois, eu vejo no Estado de Minas uma matéria sobre um dançarino negro que iria dar aulas de dança afro em Londres. E era ele, o Evandro Passos! Eu não acreditei! E na matéria ele contava sua história de vida toda, inclusive que fazia aula de dança escondido enquanto trabalhava de boy. Era por isso que ele demorava tanto! [risos] Pensei: “Essa história dá para contar”. Apelei para Nilma outra vez e ela pariu o texto.

Para as ilustrações, eu chamei um ilustrador premiado de São Paulo que eu ainda não conhecia, o Maurício Negro. Liguei, expliquei, falei que não tinha muitos recursos, mas que gostaria que ele ilustrasse. “Tudo bem, me manda o texto que eu avalio”. Passam uns dias, me chega o livro todo ilustrado, sem nem ter mandado o estudo antes. Quando eu vi as ilustrações, eu arrepiei nas bases. Estavam lindas! Mas tinha uma especialmente que eu me arrepiei toda: um homem tocando trompete, um homem que era igualzinho o seu José dos Passos, pai do Evandro. E ele também tocava trompete! Liguei para o Maurício e perguntei como é que ele tinha feito aquela ilustração. E ele me disse: “Na hora que eu li o texto, senti que tinha que ilustrar o livro. Mandei para você tudo pronto porque eu senti que era para ser assim”. 

  • É interessante pensar em como a Mazza Edições se manteve uma editora de pequena ou média escala ao longo desses 40 anos. Podemos perceber isso quando você comenta do seu processo de curadoria dos autores e ilustradores, que é bem mais íntimo do que em uma editora muito grande. E também sua participação nas muitas etapas de produção do livro e até na formação das pessoas que trabalharam com você. Isso te torna um exemplo para muita gente: mostrar que é possível ser uma mulher negra editora, estar no mercado há tantos anos e realizar um trabalho que é feito com tanto cuidado.

Eu não sou pioneira. Lá atrás, já tinha Abdias do Nascimento e muitos outros. Eu peguei a bandeira de um trabalho que já vinha batendo e batendo e batendo nesse país racista. Os autores que passaram por aqui, como a Conceição Evaristo, o Edmilson de Almeida Pereira, a Nilma Lino Gomes e Cidinha da Silva hoje estão nas grandes editoras. Não tenho problema nenhum com isso. Na verdade, eu fico orgulhosa deles. Mas minhas raízes são aqui, minhas coisas estão aqui, o meu objetivo sempre foi ficar aqui também. Quando eu voltei da França, a questão étnico-racial foi minha prioridade, sim, ainda que eu tenha publicado outros temas desde o começo também. Por muito tempo, a intelectualidade brasileira não sabia quem era Mazza Edições, nem eu sabia quem era a intelectualidade brasileira. Mas enfim, foi acontecendo e eu perseverando nessa coisa. Acabou que a Mazza Edições se tornou isso que vocês estão vendo.

No início, peguei muitas máquinas emprestadas, sempre tive gente me ajudando. E eu tinha que imprimir, tinha que fazer os livros, fazer o acabamento, tudo. Aí vinham algumas mães aqui e falavam: “Ô Dona Mazza, será que fulano não pode vir aqui trabalhar com a senhora?”. Então eu ensinei muito jovem a trabalhar, formei impressores em um tempo em que nem existia menor aprendiz. Eu ensinei muitas pessoas. Eu ainda vou muito no Alto Vera Cruz, vira e mexe alguém passa e me cumprimenta, e eu nem lembro mais quem é. Aí a pessoa me mostra: “Ó, esse aqui é meu filho. Filho, a Dona Mazza foi quem me ensinou”. E eu fico muito feliz. Não existe isso de não ensinar o pulo do gato. Nem existe pulo do gato. Ensinar é um processo. Você ensina e às vezes a pessoa vai…

A Mazza Edições está em pé porque, na verdade, a gente não faz nada sozinho. Eu tenho essa relação de proximidade com todo mundo: com ilustrador, revisor, com a gráfica. Eu consigo isso por causa dessas relações. Nos primeiros anos da editora, por exemplo, o que me ajudou a sobreviver foram os poetas que conseguiam pagar pela publicação de seus próprios livros. Eu imprimia eles e fui dando conta de manter a editora. Depois de mais de vinte e dois anos de peleja, especialmente para os livros que tratavam do assunto, a questão étnico-racial finalmente entrou nas escolas. Até então não entrava, ou entrava pela porta dos fundos. Em 2002, quando o presidente Lula assinou a Lei 10.639, que tornava obrigatório o ensino da cultura afro-brasileira dentro das escolas, as coisas mudaram. Nós passamos a entrar pela porta da frente. A partir de então, a Mazza se estabilizou, e até hoje estamos aí.

  • Agora, o mercado editorial tem um espaço bem maior para autores e autoras negros e para discussões sobre relações raciais e racismo. Como você enxerga essa mudança?

O mercado editorial e as grandes editoras, de modo geral, são todas da branquitude, e seu negócio é vender. Então, hoje, todas as grandes editoras têm um Selo Negro. É um movimento que acontece também em outros setores do mercado, porque o mercado negro hoje vende. Hoje. Só hoje o mercado tem esse espaço.

Mas, como eu disse, as grandes editoras pegam, de preferência, aquilo que sentem que vai dar retorno financeiro. Vamos supor que eu tivesse que vender todo o catálogo da Mazza Edições, por exemplo. Os autores que eu publiquei, que são muito bons, interessam ao público. Mas o meu catálogo não seria todo publicado, entendem? Só parte dele. Só aquilo que se encaixa nas expectativas do mercado.

A gente vem avançando, mas eu sinto, com 41 anos de batalha na área, que ainda temos uma longa estrada pela frente. Ainda mais com o governo que a gente tem hoje, que é retrocesso. A gente avança, mas nesses cento e tantos anos de abolição, se analisar, eu acho que, relativamente, a gente conseguiu pouco. Pela contribuição que nós – nós – demos a esse país na música, na dança, na arquitetura, no teatro, na literatura, na agricultura, na cozinha, no esporte, em tudo. No futebol, os caras ganham tudo, se esforçam e ainda são chamados de macacos… Sabe?

Mas eu não desanimo, não, vou morrer nessa batalha. Hoje vejo um avanço: quando eu comecei com a Mazza Edições, tinha apenas os Cadernos Negros de São Paulo e uma ou outra coisinha. Hoje tem uma série de mulheres negras jovens que estão abrindo novas portas, novos caminhos. Pequenas também, mas estão aí, atuando, publicando. Isso eu já considero uma caminhada. A Mazza tem 41 anos. Antes, eu falava: “Ô meu Deus do céu, se eu parar, até que alguém pegue essa minha bandeira, como vai ser?”. Agora não. Hoje eu sei que tem uma continuidade.

  • E como você vê a editora daqui a alguns anos? Como você imagina a continuidade desse trabalho que é tão importante para você?

O que eu acho é que ele tem que continuar. Continuar e ir se adaptando. Eu, na verdade, pago um pouco de língua porque tinha muita birra desse negócio de rede social, de internet. Eu até hoje trabalho na máquina. Tenho uma Remington ali. Ainda estou na idade da pedra, mas confesso para vocês: as redes sociais têm nos ajudado muito. Por exemplo, ela me ajuda a encontrar e ser encontrada pelas pessoas que estão interessadas na minha linha editorial. A rede social nesse aspecto é danada! Tem dois lados, mas nesse de divulgação ela ajuda muito. Contribui para a gente dar nosso recado desse nosso lugar. E, para os autores, ela também é muito, muito importante. Eles aparecem, e isso impacta também o nosso trabalho.

  • A rede social permite que o trabalho da editora alcance uma distribuição em escala nacional, né? Imagino que, no início, isso era um gargalo muito grande.

Nossa, era sim. Se eu não vendesse para o governo, não chegava tão longe, do Oiapoque ao Chuí. Não dava para chegar. E hoje chega. Tem pedidos que chegam na nossa lojinha virtual vindos de todo canto do país! Então eu acho que, nesse ponto, as redes sociais têm nos ajudado muito. Porque, de todo jeito, o mercado ainda é excludente. Mas, assim como eu vou continuar batendo na tecla, tem muita gente que também vai – e não é nem só na questão editorial. Tem na música, tem na dança, tem no teatro, tem no cinema, é um movimento em muitas frentes. Na universidade também, a questão das cotas. Então, eu acho que a gente tá caminhando, sabe? A gente está chegando lá.

Igor Lage

 

Igor Lage é jornalista, pesquisador e professor. Doutor e mestre em Comunicação pela UFMG.

Paula Lobato


é arquiteta, designer e editora. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG, onde também se formou. Integra a equipe do BDMG Cultural desde 2021.

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